Notícias

Perspectivas do desenvolvimento da Rússia no centenário da revolução de 1917

A Fundação Instituto Cláudio Campos, do Partido Pátria Livre (PPL), realizou no último dia 20 de outubro, em São Paulo, o seminário “Perspectivas do Desenvolvimento da Rússia no Centenário da Revolução de 1917. No evento, que aconteceu no Hotel Braston, foram debatidos assuntos relacionados ao momento político vivido pela nação russa, bem como a situação econômica vigente daquele país. Houve unanimidade no reconhecimento da importância da Rússia hoje na luta anti-imperialista mundial. O seminário, que contou, além de brasileiros, com a presença de representantes do governo russo, discutiu também questões culturais e as relações Brasil /Rússia neste setor.

Da esq. p a dir. (na mesa): José Reinaldo Carvalho, Serguey P. Akopov,

Dr. Mikhail D. Afanasiev, Nilson Araújo de Souza, Sérgio Rubens Torres,

Luiz Carlos Prestes Filho e Maria Ribeiro Prestes.

Participaram da solenidade de abertura do seminário, o professor Nilson Araújo de Souza, presidente da Fundação Cláudio Campos, que dirigiu os trabalhos, Sérgio Rubens Torres, presidente nacional do Partido Pátria Livre, o Dr. Mikhail D. Afanasiev, diretor da Biblioteca de História Política Estatal da Rússia e Membro do Comitê Organizador da Celebração do Centenário da Revolução de 1917, o senhor Serguey P. Akopov, embaixador da Rússia no Brasil, o senhor Luiz Carlos Prestes Filho, filho do legendário Luiz Carlos Prestes, Maria Ribeiro Prestes, esposa e companheira do “Cavaleiro da Esperança” e José Reinaldo Carvalho, Secretário de Relações Internacionais do PCdoB.

Sérgio Rubens abriu os trabalhos saudando os presentes e leu um pequeno trecho do discurso do presidente da Rússia, Vladimir Putin, na solenidade de abertura do 19º Festival Mundial da Juventude, que se realizou recentemente na cidade de Sóchi, na Rússia. Antes, Sérgio Rubens lembrou que o evento é realizado desde 1945, pela Federação Mundial da Juventude Democrática (FMJD), entidade criada em 1945. Ainda, segundo informou Sérgio Rubens, o primeiro festival se realizou “num período pós-guerra, em que o mundo estava procurando se reorganizar depois de ter vencido a barbárie nazi-fascista”. Ele frisou que o festival atual, que se realiza sob o lema Pela Paz, pela Justiça Social e Contra o Imperialismo, cria uma excelente plataforma para desenvolver a unidade dos povos na luta anti-imperialista. E fez questão de salientar o adendo ao lema central do festival: “Honrando o nosso passado, construímos o nosso futuro”, dizem os organizadores.

Voltemos à leitura do trecho do discurso de Putin, trazido por Sérgio Rubens: “Há setenta anos se realizou o primeiro Festival Mundial da Juventude, era em 1947. Naquele momento, jovens como vocês estavam unidos pela força de sonhar. Em 1957 Moscou os recebeu. As pessoas estavam nos telhados das residências. Algo similar aconteceu em 1985 e agora é Sóchi que lhes dá as boas vindas. Também os unia a convicção de que a juventude, com a sua sinceridade e gentileza, poderia quebrar o gelo da desconfiança e ajudaria a livrar o mundo de toda a injustiça, guerras e conflitos. É a juventude que tem maior condição de desafiar a forma como estão as coisas e, por isso, continuem lutando! Nós, por nossa parte, faremos o possível para transformar esses sonhos em realidade”. Essas foram as palavras de Putin.

Em seguida falou o representante do PCdoB, José Reinaldo. Ele caracterizou a Revolução de 1917 como “o maior evento político social de toda a história da Humanidade até hoje”. “A Revolução de Outubro, assim conhecida, marcou o início da construção de uma das mais majestosas obras político sociais, que foi exatamente a construção de um novo sistema político econômico e social, sob a direção dos trabalhadores, dos operários, dos camponeses, da intelectualidade revolucionária, da juventude e das mulheres”. O representante do PCdoB lembrou que a derrota do socialismo “foi um retrocesso para a Humanidade”, mas, frisou que seu partido considera que a ação política internacional do governo Putin “contribui de forma decisiva, na luta pela paz e na luta para impedir a concretização das aventuras dos belicistas como a que o imperialismo estadunidense tentou perpetrar na Síria”.

Maria Ribeiro Prestes encerrou a solenidade com um discurso que misturou uma análise sobre a situação atual da Rússia com as lembranças de sua vida em Moscou. A esposa e companheira de Luiz Carlos Prestes relatou aos presentes que residiu por dez anos naquele país, quando seu marido precisou se exilar do Brasil. “O povo soviético me ajudou a educar meus filhos. Na Rússia eu vivi os melhores dez anos de minha vida”, disse. “Fico muito feliz em ver que no Brasil inteiro se realizam as comemorações pelo cem anos da Revolução de 1917 que espalhou pelo mundo inteiro as ideias do socialismo”, afirmou Maria Prestes. Ela lembrou também da grande contribuição do Exército Soviético para a vitória contra o nazismo. “Esta vitória impediu que as ideias do nazismo avançassem sobre outros países como estava ocorrendo no início”, disse Maria Prestes.

Ainda na parte da manhã, o Dr. Mikhail D. Afanasiev, diretor da Biblioteca de História Política Estatal da Rússia e Membro do Comitê Organizador da Celebração do Centenário da Revolução de 1917, falou sobre a situação econômica e política existente atualmente na Rússia e fez um balanço das atividades dos diversos partidos políticos que atualmente participam da disputa pelo poder naquele país. Ele falou também, sobre as atividades culturais desenvolvidas atualmente na Rússia.

Sérgio Rubens colocou em debate a situação atual da indústria russa, já que, segundo ele, aquele país, diferentemente do Brasil, já havia desenvolvido, no período soviético, todos os setores industriais, tanto o setor da indústria leve como o setor de máquinas e equipamentos e os setores de tecnologia de ponta, particularmente os setores ligados ao setor da defesa. Outros debatedores também se dedicaram a esse assunto. Foi questionado se a política de juros altos mantida atualmente na Rússia não impediria a existência dos financiamentos necessários para o setor produtivo, particularmente do setor da indústria de consumo popular. Os debatedores, tanto o Dr. Afanasiev quanto o embaixador, Serguey Akopov, concordaram que esse é um empecilho para o desenvolvimento do setor produtivo. Eles disseram que a política de juros altos, aplicada atualmente na Rússia, visa combater a inflação.

Afanasiev defendeu que a política de financiamentos para as empresas do setor da indústria leve deve se dar com prioridade para financiamentos à empresas pequenas e médias. As grande empresas, segun do ele, não devem ter financiamentos públicos. Sérgio Rubens lembrou que na década de 1990, toda a economia russa foi muito abalada, mas que houve uma política de recuperação do setor de tecnologia de ponta e do setor de energia, através da recuperação de empresas estatais. Ele chamou atenção, inclusive, para o fato de que no setor de energia algumas empresas que foram privatizadas, foram retomadas para permitir que houvesse alguma planificação. Em sua opinião, não há hoje uma definição de qual o caminho a seguir no setor da indústria de consumo popular.

Sérgio comparou essa situação da Rússia ao que, em parte, já havia ocorrido no Brasil onde, segundo ele, o Estado agia em setores estratégicos da economia e, nos setores onde houvesse concorrência, as empresas privadas atuariam e poderiam receber financiamentos públicos. “O setor privado atuar na área onde não há concorrência, a gente sabe dos efeitos maléficos e destruidores que ele costuma ter”, advertiu. Para o presidente do PPL, o outro caminho seria o de estender a estatização também para este setor. Em sua opinião este seria o caminho que defende o Partido Comunista da Federação Russa. Ou seja, recompor a economia socialista na Rússia.

O dirigente do PPL afirmou que não tem certeza de qual o caminho está adotando o governo Putin. Porque, segundo ele, quando o governo se permite fazer uma política monetária parecida com a que ocorre no Brasil, que é usando taxas de juros muito elevadas, a petexto de segurar a inflação, ele bloqueia este caminho. “Porque com taxas de juros muito elevadas não vai haver um setor privado capaz de assumir, de obter da sua produção uma taxa e lucro que possa remunerar o empréstimo bancário para poder desenvolver o setor”, analisou. “Essa política monetária russa está muito semelhante à nossa e ela está promovendo a quebra exatamente das médias e pequenas empresas que produzem para o mercado interno”, disse. O dr. Afanasiev concordou que a política monetária atual atrapalha o desenvolvimento do setor produtivo na Rússia. O embaixador Akopov foi na mesma direção é acrescentou que o equilíbrio macroeconômico força as taxas de juros para cima. Mas que o governo “vai fazer um esforço para, o quanto antes, diminuir essas taxas”.

Foram feitas perguntas sobre as atividades culturais. Mário Drummond, editor do suplemento América do Sol, da Hora do Povo, resgatou o papel da cultura russa e comentou a fala do professor Afanasiev dobre o “Projeto Skolkovo” que visa unir a vanguarda cultural e científica numa mesmo lugar. Ele comparou essa iniciativa à do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, que pretendeu fazer algo semelhante na Universidade de Brasília. Mário falou também da grande repercussão que teve no Brasil o cinema russo. Ele destacou particularmente o filme “O Encoraçado Potemkin”. “Belo Horizonte inteira assistiu a esse filme”, contou.

O debate sobre as relações Brasil e Rússia prosseguiram e, diante de uma pergunta de Luiz Carlos Prestes, sobre a comparação dessas relação antes e depois da queda da URSS, Sérgio Rubens lembrou que o imperialismo, apesar de fazer todas as articulações, “que ele sabe fazer muito bem”, para se manter no poder, inclusive “alternando argumentos com o uso das armas”, vem perdendo espaço no mundo por causa de sua decadência. Segundo ele, no período atual o lado imperialista perdeu terreno e o lado anti-imperialista vem crescendo. “O surgimento de blocos como os BRICS é sintoma do enfraquecimento da atuação do imperialismo no mundo”, disse ele. “O que esses blocos têm em comum é a defesa da independência e da soberania dos povos”, acrescentou.

Tanto brasileiros quanto os debatedores russos chamaram a atenção para o fato de que empresas dos dois países estão sendo vendidas para os chineses. “Não parece que “parcerias” desse tipo sejam benéficas para ninguém”, alertou Sérgio Rubens. Seria melhor a formação de joint ventures com transferência de tecnologia e uma cooperação real entre os países que compõem os BRICS, e não a simples compra de empresas”, acrescentou.

O embaixador Akopov afirmou que as sanções impostas pelos EUA não representam problemas para os russos. “Este é um problemas deles. É claro que a economia russa sente, mas eles, os europeus, sofrem mais”, destacou o embaixador. “Estas sanções prejudicaram mais as empresas e as economias europeias do que a economia russa”, avaliou. “A Rússia praticamente não está sentindo nada”, prosseguiu. “O EUA tentam barganhar concessões por parte da Rússia em troca de reduzir as sanções. A posição do nosso governo é clara. Somos contra essa política de sanções e não vamos ceder às pressões”, apontou Akopov. “Em algumas áreas as sanções foram até positivas porque nos obrigaram a produzir internamente o que importávamos”, completou.

Ao responder a uma pergunta sobre energia nuclear, o embaixador Serguey Akopov enfatizou ainda que a Rússia desenvolve pesquisas nucleares em diversas áreas e que hoje os estudos sobre energia nuclear são utilizados em várias áreas da vida humana. “A energia nuclear não se resume à usinas de produção de energia ou barcos movidos à energia nuclear. Ela é utilizada na medicina, na agricultura, etc. A tecnologia nuclear pode ser usada para a preservação da colheita, por exemplo e na medicina, os isótopos são usados no diagnóstico e tratamento de doenças. E nós temos uma empresa estatal que atua nesta áreas na Rússia e que tem, inclusive, uma representação no Brasil. Temos muita cooperação nesta área científica”, ressaltou.

Rafael Martinelli, ex-integrante do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) e ex-integrante da Aliança Nacional Libertadora, relatou sua experiência como sindicalista com visitas à antiga União Soviética e abriu o debate sobre  a atual situação do sindicalismo na Rússia de hoje. Ele falou da queda do socialismo. O embaixador Serguey Akopov respondeu lembrando que a Comuna de Paris teria ficado no poder por 73 dias. “O Poder Soviético ficou no poder por 74 anos”, acrescentou, para depois indagar. “Quanto tempo vai ficar o próximo que vier?”.

O seminário chegou ao final com a palestra de Luiz Carlos Prestes, que falou sobre as afinidades culturais entre o povo russo e o povo brasileiro e defendeu uma maior aproximação entre os dois países nesta área. O embaixador Akppov lembrou que já há um avanço importante nesta integração, lembrando que o Balet Bolshoi se instalou em Santa Catarina e já é um sucesso internacional. Ele assinalou ainda que na cultura popular, como o carnalval, já há passos também, na direção de uma maior integração. Prestes apresentou um projeto conjunto para o carnaval carioca.

“Para o mundo inteiro e, em primeiro lugar, para a Rússia de então, as questões-chave, extremamente  importantes, estabelecidas pelos bolcheviques em 1917, como direção programática de sua atuação, foram o problema da paz, as fábricas para os trabalhadores, a terra para os camponeses, a cultura para as massas, a educação e a saúde para todos – ou seja, construir uma sociedade justa”, afirmou Mikhail Dmitrievich Afanasiev*, diretor da Biblioteca Estatal Pública de História da Rússia e membro do Comitê Organizador de Celebração do Centenário da Revolução de 1917, iniciando sua conferência no  Seminário.

Publicamos a seguir os principais trechos de sua intervenção:

Mikhail Dmitrievich Afanasiev:

As consequências da Revolução de Outubro nos dias de hoje

“As consequências da Revolução de Outubro nos dias de hoje são uma questão com a qual eu convivo todos os dias. Um setor da instituição que presido é a Biblioteca de Marxismo-leninismo, que se nutre de tudo o que foi editado no período soviético em todas as ciências sociais, em economia, em todos os ramos. Este setor está sediado no prédio da Internacional Comunista, onde nos anos 30 se reunia a direção dessa organização. Ou seja, o tempo todo vinculo meu trabalho social e minha análise social com aquilo que aconteceu 100 anos atrás.

“Essas bandeiras levantaram as mais amplas camadas da população em apoio ao novo poder e, verdadeiramente, este foi um importante avanço político para o nosso país e para todo o mundo, porque a reação aos acontecimentos e o contexto social falam que essas palavras de ordem valiam não somente para a Rússia, como para todo o mundo.

“Passaram-se 100 anos e hoje podemos entender de que maneira estas ideias se realizaram dentro de nosso país, como e a que resultados chegou este enorme experimento social, iniciado em 1917, o que aconteceu nestes 100 anos.

“Podemos entender melhor o que acontece hoje na Rússia. Porque muitas coisas  que hoje nós ouvimos, que a mídia traz como fatos, como resultado do que se faz no país, frequentemente podem despertar perplexidade. Perplexidade porque como que fogem à lógica do desenvolvimento de nosso país.

“Em realidade, tudo o que se faz, o que acontece entre nós, de um jeito ou de outro, de forma direta ou aparente, é uma continuação das ideias que foram experimentadas 100 anos atrás. E os argumentos contrários também são ligados a essas ideias.

“Comecemos pela importante questão ‘fábrica para os trabalhadores’ – como se desenvolveu a indústria do país e como ela está hoje. Por que a nossa indústria é assim – e não outra.

“Nos anos 20, após momentos difíceis, estudos e buscas, houve a definição do caminho econômico estratégico, a Nova Política Econômica (NEP). O comando político tomou a decisão de industrializar o país, do Estado investir na industrialização.

“Logo a indústria soviética se desenvolveu em uma direção bem definida. O centro da atenção foi a indústria pesada e, principalmente, a indústria militar.

“Tudo o que estava vinculado à indústria militar tinha prioridade no desenvolvimento da indústria de nosso país. Um exemplo  bastante claro: tudo o que nós comprávamos nas lojas como produtos de consumo popular, dependia do sucesso do trabalho da indústria militar. As melhores geladeiras eram produzidas pelas fábricas militares. A fábrica de aviões de Kazan tinha uma excelente tecnologia para produtos para as famílias, tinha bons especialistas, e as fábricas tinham a obrigação de atender às exigências, às necessidades sociais.

“Esta direção, esta forma de trabalhar – incluída nisso a esfera social – foi interessante e efetiva, do ponto de vista da centralização dos recursos econômicos e de avançar rapidamente.

“Porém, em meados do século XX, e até o fim da URSS, essa situação entrou em crise, porque as fronteiras do país ficaram cada vez mais abertas, os produtos, a produção do exterior, começaram a entrar mais na vida do homem soviético.  Criou-se uma situação ambígua, quando há uma tecnologia dirigida especificamente para as necessidades das pessoas – e não através da tecnologia militar. Quando, na União Soviética, parou de existir esse modelo de indústria, entrou-se numa crise profunda, porque muitas coisas necessárias para a sociedade não podiam concorrer com os produtos do ocidente.  Isso criou uma situação, na economia interna, de dependência em relação ao mercado exterior em todos os ramos, fora a indústria militar, que se manteve como estatal.

“Aí, veio o processo de privatização das nossas empresas industriais. Mas essa privatização não levou a que essas empresas boas, que eram estatais, continuassem funcionando como empresas privadas ou com ações na Bolsa. Aconteceu que essas empresas fecharam – e no seu lugar apareceram outras que não tinham relação com aquilo que produziam antes. Houve uma mudança de recursos para pontos comerciais, como há em Moscou, por exemplo, fortes centros comerciais.

“Para restabelecer o equilíbrio, para criar uma situação na qual  o Estado pare de depender, como nos anos 90, da importação de muitos materiais, foram feitas coisas bastante radicais.

“Primeiro, foi decidido o apoio àqueles comerciantes que, como resultado das privatizações dos anos 90, receberam grandes recursos materiais. Essas pessoas ajustaram a produção. Em primeiro lugar, aquela produção que era a mais simples e mais efetiva de ajustar, a dos nossos recursos energéticos. Por isso, tão energicamente foram levadas à frente as corporações de petróleo e gás.

“Eu coloco entre aspas a ‘resolução política’ desse problema, porque está claro que apareceu uma situação em que pessoas têm recursos financeiros e tentam influenciar o poder. No nosso país, hoje, tem que se equilibrar a relação entre os grandes donos de recursos e o governo.

“Vemos que aconteceu a etapa inicial de acumulação do capital, em todas as situações nós sabemos que, na primeira etapa, acontece o enriquecimento, e isso resulta ser o próprio objetivo.  Hoje vemos que alguns oligarcas, alguns homens, como Mikhail Prokhorov, como Vladimir Patanin, gente que acumulou muito dinheiro em apoio de seus projetos individuais, têm que trabalhar algumas questões orientadas socialmente. Nesse sentido, me parece que há pequenas fraturas.

“Nos últimos dois anos, o contexto político que nosso país começou a viver por causa das sanções, criou na economia grandes dificuldades  e o governo russo tomou a decisão de que é necessário diversificar ao máximo o processo econômico. É necessário sair da dependência do petróleo e dos recursos naturais e desenvolver a economia nacional.

“Mas o problema se concentra em que, na estrutura de muitos setores, esse desenvolvimento só é possível se for superada a situação atual deles. Se começarmos a trabalhar na esfera em que já trabalham os gigantes internacionais, sempre vamos ficar atrasados.

“Para isso, aliás, se criaram centros de inovações que tratam de como, quanto, onde, se reúnem forças intelectuais. Trazem-se de volta especialistas do exterior, as boas cabeças que saíram do país, e que já trabalham no dia de amanhã da tecnologia.

“Mas, por enquanto isso é só um potencial que se desenvolve. Não se pode dizer, ainda, que já saímos dessa situação econômica complicada”.

AGRICULTURA

“Uma situação semelhante aconteceu na agricultura. A terra para os camponeses realmente foi entregue a eles. Em um primeiro momento, a terra foi tirada dos grandes proprietários  e dividida entre os camponeses. Aconteceu uma distribuição justa da terra.

“Os bolcheviques, depois, aplicaram o modelo de socialização das terras, de nacionalizá-las. A terra era estatal e isso permitia ao governo aplicar o processo mais rigidamente. Nos anos 30, aconteceu a coletivização em massa.

“Vou tentar relatar como aconteceu isso com um exemplo concreto. Tenho diante de meus olhos uma aldeia no centro da Rússia. Nessa aldeia, que eu, por relatos, conheço há 100 anos, meu avô era dono de terras, antes da Revolução, e havia terras de camponeses.

“Em 1917, no verão, a família morava lá, nessa propriedade. Meu avô era jurista. Quando se aposentou, ele viajou para a aldeia, decidindo que iria morar lá. Naquela época, começaram os acontecimentos de outubro. Os camponeses foram até ele e falaram: “Aleksander Vassilyevich, nas aldeias vizinhas os camponeses ganharam terras, expulsaram os proprietários, queimaram propriedades. Dizem que se nós não o expulsamos, eles virão aqui fazer isso. Nós nos relacionamos bem, o que vamos fazer?”.

“Ficou decidido que todas as propriedades tivessem as casas liberadas, as terras foram divididas nessa hora, e seriam entregues aos moradores locais. O meu avô, com o dinheiro recebido, comprou uma casa e recebeu um terreno, como os camponeses.

“Depois de um tempo, foi criado na aldeia o Comitê dos Camponeses Pobres, que devia determinar o que era do antigo kulak [burguesia rural]e o que era dos pobres, visando a justiça social.

“Ocorreu a coletivização e todas as terras foram entregues para o uso coletivo. Meu avô teve que ir embora da aldeia, porque a lei proibia que o dono ficasse no mesmo lugar onde ele tinha a propriedade.  Ele foi para a cidade, e a casa da propriedade virou uma casa de propriedade coletiva.

“O kolkhoz [cooperativa], na propriedade coletiva, virou um local estável e com uma área média boa. Até os anos 60, funcionaram de forma totalmente bem sucedida. Depois se estabeleceram lotes individuais de umas três dúzias de hectares, com vacas, havia ainda um moinho, onde era possível  que tudo que você tivesse colhido, e que não fosse solicitado pela comunidade, fosse utilizado organizadamente. Isso era normal.

“Em 1992, foi decidido que os kolkhozes se dissolveriam, que não havia mais área coletiva e que cada um receberia seu pedaço. Mas, naquele período, a maioria das pessoas que moravam lá não estava disposta a trabalhar na agricultura como fazendeiros. Alguns já trabalhavam na cidade, outros tinham alugado suas casas, a juventude planejava sair de lá.

“No curso de 10 anos, os campos se esvaziaram se encheram de mato. A produção parou, havia o mínimo que era necessário para sobreviver.

“Nos anos 2000, a situação mudou mais ainda, apareceram as agro-holdings, organizações que compram a terra para nelas novamente implantar a economia agrícola. As agro-holdings vêm do sul da Rússia. Depois de 1991, os trabalhos na agricultura eram muito lucrativos lá. Eles guardaram terras como propriedade privada, com grandes quantidades de estruturas, houve muitos enfrentamentos criminais, porque lá a terra era extraordinariamente importante. E tinha também a relação da indústria com a agricultura, que começou a ser um ponto de inflexão na situação.

“Hoje, fora os campos da Rússia Central, há outros onde novos proprietários tentam reestruturar a agricultura. Isso tem uma importância especial quando foi tomada a decisão do governo de que é necessário eliminar a importação de produtos alimentícios, quando nós lutamos contra as sanções em relação a produtos de vários países.

“Se, no primeiro momento, nos anos 2014, 2015, vimos como se reduziu a variedade desses produtos e houve problemas, hoje o mercado começa a se abastecer com produtos nacionais. Outra questão é que o preço desses produtos é hoje significativamente menor que quando vivíamos na situação de globalização, importando muita coisa.

“A tarefa principal, no momento atual, eu diria, a tarefa política da questão agrícola, é retomar o interesse pela agricultura, retomar o interesse das pessoas que moram nas aldeias para o trabalho no campo, porque sem isso a situação não vai se normalizar. Ainda há uma enorme quantidade de propriedades que esperam que se faça algo nelas.

CULTURA

“Para o jovem Estado soviético, o trabalho cultural foi importante desde o inicio. Há uma história, na qual estou inclinado a acreditar,  porque foi relatada por  Anatoly Lunacharsky [N. HP: ministro da Educação do primeiro governo após a Revolução Russa].

Na noite de 25 de outubro [de 1917], Lunacharsky se encontrou com Lenin no [palácio] Smolny e Vladimir Ilich lhe disse que o nomearia Comissário do Povo para a Educação e que devia prestar atenção em primeiro lugar às bibliotecas, que era necessário pôr livros em todos os cantos da Rússia. Isso foi muito importante, não só do ponto de vista mais elevado, mais geral, de que a cultura é necessária para desenvolver o país, e a cultura estatal é importante. Isso era necessário do ponto de vista ideológico, político.

“As bibliotecas eram vistas por Lenin como o posto de fronteira da propaganda política. Considerava que, levando os livros certos para todos os cantos da Rússia, se criaria lá o apoio à Revolução. E, realmente, o desenvolvimento da cultura no período soviético foi feito pelo governo de forma significativa, de forma institucional.

“Em cada local de moradia havia uma casa, cantos de leitura – se chamavam assim os pequenos clubes para onde eram enviados jornais e depois se instalaram as bibliotecas.

“Esses locais, também os museus, eram a infraestrutura na qual se apoiava o governo para o desenvolvimento da cultura do povo e a realização de suas tarefas ideológicas. Essa rede, que foi criada no período  soviético por todo o país, é única, em pais nenhum há isso. Foram gastos muito esforço e dinheiro nessa estrutura. Na base dessas instituições foi liquidado o analfabetismo, que era um problema social muito agudo nos anos 20. E nós, merecidamente, nos orgulhamos dessa obra.

“No que diz respeito ao período pós-soviético, as prioridades, tanto do governo quanto da sociedade, mudaram. Se naqueles tempos, sobre os quais Lenin falava, havia jornais, rádio, numa divulgação limitada, havia telégrafo e não havia outros meios de comunicação; hoje, o centro da pressão dos meios de comunicação ideológicos de propaganda, está fora dos limites das bibliotecas. Está nos meios de comunicação de massas, nos sites da internet.

“Nessa situação, se colocou o problema para o governo do que fazer com esses colossais esquemas de mídia. De que maneira agir com eles.

“Lembro quando, no inicio de 1992, acho que foi no último mês de 1991 [governo Yeltsin], me convidaram ao prédio do antigo Comitê Central do Partido, onde se reuniram os reformadores e pensavam como formar o governo, e alguém me recomendou para ocupar o cargo de ministro de Cultura. Eu já era diretor da Biblioteca de História e me convidaram para conversar.

“Uma das perguntas que me foram feitas foi: o que fazer com as bibliotecas? Eu comecei a responder e um jovem me interrompeu dizendo: ‘Vamos fazer bem simples. O povo mesmo decide. Nós não vamos financiar as bibliotecas, a população mesma que decida. Se as bibliotecas são necessárias para eles, eles as vão sustentar, eles vão pressionar para que sejam financiadas. Se não forem necessárias fecham-se – e pronto’.

“Eu, por princípio, não concordei com isso – e não virei ministro da Cultura.

“A situação das estruturas de cultura depois da época soviética, e até hoje, é realmente muito séria, porque, quando a conversa é sobre gastar pouco dinheiro, se escolhem pontos que se consideram prioritários. A estrutura cultural para o governo resulta não prioritária.

“Alguns setores do poder consideram um modelo alternativo, que é a possibilidade de criar uma biblioteca nacional eletrônica. Em todos os locais do país onde há hoje bibliotecas, seria necessário fazer conexão com a internet e essa coleção de livros digitais, entre eles literatura contemporânea,  seriam reunidos em Moscou.

“A ideia da biblioteca eletrônica por si só é muito interessante e está se desenvolvendo. Mas ela não eliminou o problema de que as bibliotecas são necessárias para a sociedade, para as pessoas que não têm recursos para comprar livros – ou livros que não existem nas livrarias. O período soviético educou as pessoas a amar os livros, não há dúvida que é assim.

“Apareceu um novo motivo e um novo argumento a favor de manter e apoiar as bibliotecas – e vejo nisso uma tendência muito positiva.

“Acontece que quanto mais a sociedade se liga à esfera da internet, à esfera das comunicações virtuais, mais se sente o déficit dos ‘mensageiros’ da comunicação e seus instrumentos. As bibliotecas se transformam em uma plataforma para a comunicação. Transformam-se nesses lugares onde a sociedade pode organizar encontros de pessoas com diferentes problemas. As bibliotecas, hoje, viraram pontos onde fermenta a sociedade civil no nosso país.

“Na época soviética, a sociedade se expressava através do partido político, dos sindicatos. Esses vínculos eram muito formalizados, organizados, e com a destruição desse modelo no período pós-soviético, o cidadão comum não tem mecanismos de interferir nas situações. Há muito poucas possibilidades de expressar sua opinião. Os sindicatos, que na época soviética estavam muito ligados ao sistema de direção do país, entraram em colapso depois do fim da URSS, foram desarticulados. O movimento sindical, hoje, não influencia de forma radical a realidade.

“As pessoas têm necessidade de se expressar, têm necessidade de se organizar – e essas estruturas de cultura viraram pontos de organização. E ainda têm a função de memória. É surpreendente observar, não o homem que viveu a parte principal de sua vida no período soviético, mas observar a geração nova, os que têm hoje 25 anos ou menos, ou seja, as pessoas que já nasceram no tempo pós-soviético. Para eles, tudo o que diz respeito à URSS é como, para a minha geração, a vida antes da Revolução. Sim, meu avô me contava de quando ele era dono de terras. Hoje, eu, avô, conto para meu neto que havia uma organização, o Komsomol (Juventude Comunista). Nenhum deles sabe o que é isso.

EDUCAÇÃO

“Nos anos 90, a perestroika mexeu com a educação. Foi tomada a decisão de implantar o sistema europeu. O sistema de educação soviético, os diplomas soviéticos, por mais que fossem muito bons, estavam circunscritos aos interesses internos do país. Uma pessoa com um diploma de uma universidade soviética tinha problemas, se quisesse legalizá-lo, reconhecê-lo, no exterior. Havia países onde era impossível, Havia outros onde deviam ser prestados exames. A orientação, no sistema europeu de comunicações, era exigir que os diplomas russos fossem exatamente como eram na Europa e no mundo. Foi reconstruído o sistema de educação. A motivação é compreensível, mas, lamentavelmente, nesse contexto os méritos que tinha o sistema de educação em nosso país ficaram sob ameaça de extinção.

“O que, de fato, aconteceu.

“Muitas matérias se tornaram facultativas, cortaram-se textos, o sistema de avaliação mudou, as datas das provas mudaram.

“E há o problema da aceitação social. Com o ensino de História houve problemas sérios.

“Sobre a Revolução de Outubro, por exemplo, a sociedade não é unânime. Em nosso país, existem, ao mesmo tempo, posições que as pessoas estão dispostas a defender, a lutar por elas, e outras diametralmente opostas. Uma parte das pessoas preservou a fé no período soviético e há outras que consideram que 1917 foi uma tragédia, que se envergonham dessa Rússia que já não existe mais. Finalmente, há uma terceira variante, que são as pessoas que consideram que o mais importante é a integração, hoje, no contexto mundial – que antes da Revolução, como depois da Revolução, houve problemas, houve erros.

“Essas posições não estão representadas nos partidos, mas é um estado de ânimo social.

“Esforcei-me para caracterizar este complexo contexto em que vivemos.

“Espero não ter decepcionado vocês”.

(Intensos aplausos.)

Depois, Mikhail Afanasiev respondeu a perguntas da assistência:

“A pergunta mais simples é sobre as prioridades econômicas que houve até a Revolução, no período soviético, e no pós-soviético.

“Antes da Revolução, a Rússia era exportadora de matérias-primas. Isso era o fundamental. A exportação não era petróleo. Era madeira, cânhamo para cordas, produtos agrícolas. O petróleo, na época, estava em mãos estrangeiras, em concessão para a Shell.

“Só em 1913 começou a se desenvolver a indústria pesada, a metalurgia, porque  começaram a se construir as estradas de ferro naquela época, e a Rússia entrou na lista de países com indústria metalúrgica.

“No período soviético, como eu já disse, a prioridade era a indústria pesada, militar,  tudo o que era relacionado com a indústria de defesa. A exportação de petróleo começou depois da guerra, também a exportação de metais, e começou a exportação de tecnologia.

“Havia uma situação especial com o conjunto de países socialistas, quando a economia se desenvolvia ainda em integração com esses estados europeus – era um sistema único.

“No período pós-soviético, tudo se concentrou em duas coisas: matérias-primas e materiais metalúrgicos. Até aquelas tecnologias que eram muito importantes no período soviético para intervir no exterior, não se mantiveram.

“A tentativa do período pós-soviético de reviver ou recriar a tradicional indústria nacional de produtos de uso popular, do meu ponto de vista, ainda não deu resultados. Eu gostaria de dizer que, hoje, já se resolveu o problema da produção, mas somente para um espectro muito limitado da indústria podemos dizer que o governo já destinou o nível indispensável de recursos.

“O governo e a iniciativa privada estão trabalhando. Estão sendo direcionadas grandes forças, os investimentos estão indo para completar esse processo e criar alguns ramos que trabalhem de forma totalmente efetiva, sem a influência do exterior em quaisquer  elementos que sejam decisivos.

“Frequentemente se dão situações em que alguns elementos componentes-chave, importantes aspectos do processo, ou detalhes do equipamento, dependem do exterior, porque nós trabalhamos com tecnologias comuns, sistemas comuns.

“Para desenvolver a produção de uso popular em uma direção nacional, independente, do meu ponto de vista, seria imprescindível direcionar o investimento para as pequenas e médias empresas. Para isso precisa-se de grandes recursos, e eles faltam – faltam recursos financeiros e vontade política.

“Isso está relacionado com a última pergunta, sobre os juros bancários. O Banco Central, em primeiro lugar, está preocupado com esses investimentos econômicos.  No que diz respeito à população, o problema central é a diminuição da inflação e todas as decisões do Banco Central,  de redução ou aumento de juros, estão vinculadas com o problema da inflação.

“No que diz respeito à tecnologia atômica, acho que a Rússia se volta para ser exportadora de tecnologia. Pelo que posso avaliar, a Rússia apoia e vai apoiar aqueles projetos que já trabalham com centrais elétricas atômicas construídas com a nossa participação. O medo que houve no nosso país com a síndrome de Chernobyl, já passou, e o desenvolvimento de indústrias atômicas está caminhando. Agora, estão se construindo vários navios movidos a energia nuclear – e todas a alta tecnologia está sendo desenvolvida”.

O Embaixador da Rússia, Serguey Akopov, acrescentou:

“A área de energia nuclear não está restrita somente à construção de centrais elétricas nucleares ou barcos que se movem por  energia nuclear. A esfera de utilização de energia atômica, ou tecnologias nessa esfera, é muito mais ampla, e hoje em dia é usada muito na área de medicina, na área de agricultura, e em muitas outras áreas da vida humana.

“Nós sabemos muito bem que essas áreas são importantes não somente para o desenvolvimento da indústria e da tecnologia na Rússia, mas também para nossa cooperação internacional, inclusive com o Brasil. Rosatom, a grande empresa russa, que é praticamente um monopólio estatal no país, nessa área, tem a sua representação aqui, no Brasil, que fica no Rio de janeiro,  e existem excelentes programas de cooperação. Eles não são muito divulgados na mídia, mas existem  excelentes programas  entre o Brasil e a Rússia nessa área científica. Na área agropecuária, por exemplo,  as tecnologias nucleares  são usadas para preservar as colheitas, para que as colheitas possam ser mantidas durante muito tempo.

“A utilização na área da medicina todo mundo conhece. São isótopos, usados nos diagnósticos, no tratamento de várias enfermidades oncológicas, etc. Nessa área, o Brasil e a Rússia estão cooperando muito bem, existem grandes projetos e contratos de longa duração”.

* Mikhail Dmitrievich Afanasiev é diretor da Biblioteca Estatal Pública de História da Rússia e Membro do Comitê Organizador de Celebração do Centenário da Revolução de 1917. De 1996 a 2000, foi vice-presidente da Associação Russa de Bibliotecas; e de 1990 a 1994, presidente da Federação Russa de Sociedades e Associações de Bibliotecas. Formou-se no Instituto Estatal de Cultura  de Moscou. Em 1979, defendeu sua tese de pós-graduação sobre o tema “Problemas da difusão da leitura nas áreas rurais”. Autor de mais de 100 trabalhos, participa ativamente na formulação de legislação sobre questões culturais – inclusive da Lei Federal de Biblioteconomia e como especialista no Comitê de Educação, Cultura e Ciência da Duma Federal.

Serguey Akopov: “a luta hoje na Rússia, e em todo o mundo, é pela soberania nacional”

“Hoje, mais do que nunca, temos que defender a nossa soberania e a nossa capacidade de definirmos, nós próprios, o nosso destino e o destino das futuras gerações”, afirmou o embaixador da Rússia no Brasil, Serguey Akopov, durante o seminário “Perspectivas do Desenvolvimento da Rússia no Centenário a Revolução de 1917”, realizado no dia 20 de outubro, em São Paulo, por inciativa da Fundação Instituto Cláudio Campos, do Partido Pátria Livre (PPL).

A afirmação do embaixador foi uma resposta ao questionamento, feito durante os debates, sobre o destino que a Rússia daria às suas reservas de petróleo. “Vamos defender a nossa soberania. E, se fizermos isso, a questão de como vamos usar os nossos recursos não vai estar em nenhuma agenda internacional”, afirmou o embaixador. “A questão hoje é exatamente essa. Como vamos usar nossas reservas. E se vamos ter o direito e a possibilidade de usar nossas reservas. É uma questão de soberania. O presidente Putin já colocou essa questão de maneira aguda. Ele disse que a principal luta hoje, não só da Rússia, mas de todos os países é a luta para defender sua soberania”, prosseguiu o diplomata.

O embaixador falou também sobre a criação dos BRICS – grupo de países integrado pelo Brasil, China, Rússia, Índia e a África do Sul – e a sua importância na luta anti-imperialista atual. “Essa iniciativa é muito importante num mundo instável e imprevisível como este, onde o direito internacional foi fortemente abalado e as estruturas internacionais, que pareciam absolutamente sólidas, não funcionam mais adequadamente”. “Mais uma vez está surgindo uma política de força, de ameaça de força, etc. São vários os exemplos. Os países que estão defendendo a primazia do direito internacional têm que se unir para defender seus interesses”, disse ele. “O BRICS começa a ser mais ouvido e isso vai abrir espaço para surgir uma nova governança global”, avaliou Akopov.

Sobre o não uso do dólar no comércio entre a Rússia e a China, o representante do governo russo lembrou que “todo mundo tem esse sonho de abandonar o dólar no comércio porque ele é um instrumento de domínio e pressão, e de controle que os EUA têm até hoje no mundo”. Na opinião do embaixador esse é um movimento necessário mas difícil de executar. “Nos BRICS foi discutido e viu-se de encontrar um mecanismo que permita aos bancos centrais dos países membros sair da dependência total de dólar”, disse ele. “O problema é quem vai assumir o lugar do dólar. Que outra divisa poderia ser usada”, ponderou. Segundo Akopov, “os banqueiros dizem que é difícil substituir o dólar. Insistem em dizer que os sistemas financeiros dos países são muito diferentes, etc”. “Eu sou otimista. Acho que, mais cedo do que tarde, vamos resolver isso”, frisou.

Nos debates, o embaixador deixou claro que os juros altos são um problema sério também na Rússia. “Nós também temos esse problema dos altos níveis de juros em nosso país. A politica macroeconômica às vezes obriga o governo a elevar as taxas de juros e isso contradiz a linha de governo de estimular o desenvolvimento das pequenas e médias empresas”, assinalou. Akopov admitiu que o governo não pode fazer muita coisa se não mudar a política econômica. “Os interesses da estabilidade macroeconômica prevalecem”, salientou. Segundo ele, “o governo trabalha para diminuir o mais rapidamente possível as taxas de juros.  Em algumas áreas, o governo está criando programas especiais de estímulo. Em suma, na economia de mercado não se encontrou a solução para este problema. A situação está obrigando a convivermos com esse problema durante um certo período”, afirmou o diplomata.

Ao responder sobre a indústria farmacêutica na Rússia, o embaixador comentou que “depois que a URSS se desintegrou, nós perdemos ramos inteiros da indústria”. “Quando abriram o mercado russo, grandes empresas internacionais, também na área de produção de medicamentos, invadiram o mercado russo e praticamente a indústria farmacêutica nacional morreu”, afirmou Akopov. Ele contou que num determinado período, “praticamente todos os medicamentos eram importados”.

“Mas”, segundo Akopov, “o governo entendeu que essa era uma situação absolutamente anormal e isso foi considerado como uma ameça à segurança nacional”. Ele explicou que essa dependência deixava a Rússia “vulnerável às pressões externas com fins políticos”. “Foi tomada uma decisão de governo de fazer todo o possível para reconstruir esse setor. Hoje a indústria nacional farmacêutica está renascendo na Rússia. Ainda não podemos dizer que nós nos livramos absolutamente da dependência da importação de medicamentos, mas já apareceram laboratórios modernos de produção de medicamentos de novas gerações e dos medicamentos mais tradicionais. Certa parte do mercado já foi recuperado”, acrescentou.

Sobre as sanções, o embaixador disse que “elas são mais problemáticas para ele do que para nós”. “Eles estabeleceram essas sanções e eles estão sofrendo. Claro que, com as sanções, a economia russa também sofre, mas eles sofrem mais”, esclareceu. Akopov disse que já começou, inclusive, um movimento na Europa, entre empresários, dizendo que as sanções estão prejudicando mais os povos europeus do que a Rússia. “Nós não barganhamos. Nós não aceitamos esse caminho das sanções. Consideramos esse caminho absolutamente contrário ao direito internacional e não vamos discutir essa sanções com ninguém”, disse o embaixador. “Nós consideramos que as únicas sanções legais, são as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU). Nós absolutamente condenamos as sanções unilaterais”, prosseguiu.

“Em determinados setores, as sanções até jogaram um papel muito positivo porque nos obrigaram a recriar aquelas áreas de produção industrial que desapareceram depois do colapso da URSS”, lembrou Akopov. “Ganhou muito a agricultura. As colheitas dos últimos anos cresceram muito. O governo e vários outros setores perceberam que em algumas áreas tem que voltar a produzir internamente até para garantir insumos para setores de alta tecnologia como a defesa por exemplo”, acrescentou.

Ele citou o caso do setor de produção de chips. “A Rússia perdeu toda essa produção depois do colapso da URSS, estávamos importando dos países asiáticos, da China, da Europa e até dos EUA. De repente entenderam que, com as sanções, eles podem simplesmente cortar o fornecimento dessas peças e muitas áreas sensíveis da economia e da defesa ficariam absolutamente indefesas. Então, o governo decidiu investir, apesar das dificuldades, para a produção interna desses equipamentos, já num novo patamar tecnológico”, destacou o palestrante.

Estimulado pelo presidente do PPL, Sérgio Rubens, a falar sobre as discussões dentro do BRICS sobre como aprofundar a cooperação estratégica entre a China e os demais integrantes do bloco, o diplomata informou que na Rússia também está havendo, assim como no Brasil, o problema da China estar comprando empresas, ao invés de se associar com as empresas locais para produção conjunta. Tanto Sérgio Rubens como Akopov destacaram que o melhor caminho de cooperação de longo prazo entre os países do BRICS é a associação de empresas e não a simples compra de patrimônio por parte da China.

Perguntado por um dos participantes sobre a possibilidade da volta da URSS, o embaixador falou rapidamente sobre o tema. “A Comuna de Paris existiu por quanto tempo?”, indagou. Ele mesmo respondeu, “74 dias”. “E a URSS existiu por quanto tempo?”, prosseguiu. “75 anos”, respondeu ele outra vez. “Pois é, acrescentou Akopov, “a próxima vez, quanto tempo vocês acham que vai durar?”. “A luta continua”, conclamou o diplomata, sendo muito aplaudido.

Serguey Akopov é formado pelo Instituto Estatal das Relações Internacionais de Moscou junto ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da URSS em 1976. Em 1977 entrou para a carreira diplomática. Serviu nas embaixadas da Costa Rica e no Brasil de 1983 a 1988. Esteve no Chile de 1990 a 1996. Foi ministro conselheiro da embaixada da Federção Russa no Brasil. De 2005 a 2010 foi vice-diretor do Departamento da América Latina do Ministério dos Negócios Exteriores da Federação Russa. Desde 2010 é Embaixador Extraordinário Plenipotenciário da Rússia no Brasil.

Luis Carlos Prestes Filho e Maria R. Prestes

Luiz Carlos Prestes Filho: Brasil e Rússia precisam intensificar parceria tecnológica

Em sua palestra no seminário “Perspectivas do Desenvolvimento da Rússia no Centenário da Revolução de 1917”, realizada em São Paulo no dia 20 de outubro, por iniciativa da Fundação Instituto Cláudio Campos, o diretor e roteirista Luiz Carlos Prestes Filho destacou a necessidade do Brasil e da Rússia estabelecerem uma maior integração tecnológica para facilitar a aproximação em todas as demais áreas. “A ausência de conexão tecnológica entre o Brasil e Rússia é o fato que impede uma maior aproximação entre as duas nações”, disse Prestes, citando Samuel Pinheiro Guimarães.

“O Brasil aprofundou vínculos políticos e econômicos com os EUA desde a Segunda Guerra Mundial, momento em que diminuiu significativamente em nossa terra a influência da França, da Inglaterra e da Alemanha”, prosseguiu Prestes. “Nossos químicos, físicos e engenheiros são formados nos EUA e, na área política, podemos citar os economistas que, por conta da influência americana, dificultam uma maior aproximação do Brasil com a Rússia”, acrescentou o palestrante.

Por conta disso “não há’, segundo Prestes, “independência nas decisões brasileiras nos campos da ciência, tecnologia e inovação”. “Nem nas áreas de petróleo e defesa nós podemos identificar ações independentes e estratégicas do governo federal no sentido de fortalecer a soberania nacional”, destacou. “Antes os EUA pagavam bolsas para brasileiros estudarem naquele país. Hoje o próprio governo brasileiro paga para que estudantes brasileiros viagem para os EUA”, lembrou o professor.

Prestes assinalou que a Rússia “é conhecida por sua tecnologia de defesa e na produção de armamentos da indústria bélica”. Ele frisou que os equipamentos bélicos russos são  mantidos basicamente dentro de suas fronteiras, para proteger o país. “Suas bases militares são localizadas nas fronteiras. “A base militar mais distante da Rússia fica na Síria. Base essa que tem contribuído para o equilíbrio militar no Oriente Médio”, afirmou. “Comparado com as bases militares americanas espalhadas pelo mundo todo, particularmente no entorno da Rússia, podemos dizer que as bases russas existem para defender seu território e que elas contribuem de fato para a paz mundial. O poder militar russo é antes de mais nada defensivo”, acrescentou.

Prestes salientou que a Rússia vem se esforçando para recuperar as perdas econômicas provocadas pelo colapso da URSS. Ele comparou o crescimento da produção industrial russa, impulsionada inclusive, pelas sanções impostas pelos EUA, com o rápido processo de desindustrialização que ocorre atualmente no Brasil. “A Indústria de transformação no Brasil correspondia a 21,6% do PIB em 1985. Em 2006, esse indicador já caiu para 11,4%. Mesmo patamar de 1947”, denunciou. “O processo de desindustrialização no Brasil é prematura e veloz”, afirmou Prestes. Segunde ele, “os países que conseguiram crescer foram os que não seguiram os conselhos do “Consenso de Washington”, de 1989, que foram  definidos nos organismos internacionais dominados pelos EUA e impostos aos países da periferia capitalista. “Entre os países que não seguiram esses conselhos, são exemplos a China, a Índia e a Rússia de hoje”, completou Prestes.

Luiz Carlos Prestes Filho é diretor e roteirista de filmes documentários para a televisão e cinema. Formado pelo Instituto de Cinema de Moscou, com o título de mestre em artes cinematográficas. É fundador do jornal “Cine Imaginário”, especializado em cinema brasileiro. Percorreu os 25 mil quilômetros da Coluna Prestes e inaugurou vários monumentos em diversos locais, em memória da “grande marcha”. Escreveu o livro “A Economia da Cultura” em 2002, com base no qual publicou mais três outros livros sobre o mesmo tema, “A Cadeia Produtiva da Economia da Música”, “A Economia do Carnaval” e “A Economia do Artesanato”.

SÉRGIO CRUZ

Fotos: Ernesto Andrade da Cruz

Você também pode gostar

Nenhum Comentário

    Deixe um comentário