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Oreiro: 66 Anos da Carta Testamento de Getúlio Vargas

Artigo originalmente publicado no jornal Hora do Povo

JOSÉ LUIZ OREIRO*

No dia 24 de agosto de 1954, Getúlio Dorneles Vargas deixava a vida para entrar na história. O homem que liderou a Revolução de 1930 contra um governo corrupto que representava os interesses das oligarquias de proprietários rurais de São Paulo e Minas Gerais e os interesses comerciais e financeiros do Império Britânico, que introduziu o serviço público profissional no Brasil, que instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho, que criou o Salário Mínimo, que criou a PETROBRÁS, que construiu a primeira siderúrgica de porte em solo brasileiro, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda e que, contrariando suas próprias preferências políticas, colocou o Brasil ao lado dos Aliados Ocidentais na Segunda Guerra Mundial, cometeu suicídio na manhã do dia 24 de agosto de 1954, no seu quarto no palácio do Catete, para evitar que a ocorrência de um eminente golpe de Estado, planejado pela UDN com apoio dos interesses imperiais dos Estados Unidos. Sua auto imolação despertou a ira do povo brasileiro que foi em massa as ruas da cidade do Rio de Janeiro para mostrar sua dor pela morte do seu líder – a quem carinhosamente chamavam de o “velho” – e dar um basta as tentativas golpistas da UDN e de seu representante máximo, Carlos (corvo) Lacerda.

Em homenagem ao homem que eu considero o maior Presidente da História do Brasil, reproduzo abaixo a sua carta testamento ao povo Brasileiro. Que o exemplo e os ideais de Getúlio Vargas nos inspirem a encontrar um líder digno de comandar o Brasil na retomada do desenvolvimento econômico com equidade social.

“Mais uma vez as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam; e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci.

Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo.

A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios.

Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre, não querem que o povo seja independente.

Assumi o governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo e renunciando a mim mesmo, para defender o povo que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos.

Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação.

Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com perdão. E aos que pensam que me derrotam respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo, de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém.

Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue terá o preço do seu resgate.

Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.

*José Luis Oreiro é professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília e Pesquisador Nível IB do CNPq. E-mail: joreiro@unb.br. Página pessoal: www.joseluisoreiro.com.br.

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