Nacional-desenvolvimentismo

Getúlio Vargas e a estratégia para um Brasil livre, justo e desenvolvido

Já mencionamos várias vezes o discurso do presidente Getúlio Vargas ao instalar a Comissão de Planejamento, no Palácio do Catete, a 3 de outubro de 1944. Mas ainda não tínhamos reproduzido na íntegra esse documento, notável pela síntese dos problemas que o país necessitava superar – e do pensamento de Getúlio sobre esses problemas.

Notemos que algumas questões permanecem totalmente atuais. No momento em que alguns querem entregar as jazidas do pré-sal com a argumentação de que precisamos exportar petróleo para ter recursos, é notável que, há 69 anos, em 1944, Getúlio advertisse que o país teria que “daqui por diante, atender com maior cuidado às questões de rendimento e possibilidades de exportar produtos transformados em vez de matérias-primas e gêneros de alimentação“.

A questão mais geral, ele formula, naquele momento em que a II Guerra ainda não terminara, do seguinte modo:

“… não é apenas pela invasão manu militari que [os países e povos] podem perder a sua independência e sofrer ameaças à sua soberania. Também isso acontece quando pela alienação das indústrias-chave se cedem os materiais estratégicos e se confiam a mãos alheias os fatores capitais da defesa nacional“.

Dez anos antes da Carta Testamento, dizia o presidente Getúlio:

“… o Brasil enfrenta, neste momento, um problema imperioso: o da organização da economia nacional em bases consistentes, capazes de suportar, sem crises profundas, o desenvolvimento das forças produtivas, mantendo o ritmo do progresso com o máximo aproveitamento das suas fontes de riqueza e do seu potencial humano“.

Enfatizando o laço indissolúvel entre desenvolvimento e emancipação nacional, ele observava:

Produzir à maneira colonial quer dizer baixo rendimento do capital empregado, operariado sem estímulos, salários ínfimos, subconsumo e, consequentemente, superprodução“.

Mas, para explicitar a coerência e desenvolvimento do pensamento do presidente Getúlio, avancemos um pouco no tempo, para sete anos após o discurso que hoje publicamos. No início de seu segundo governo, ele escreveu:

O progresso social se vinculará solidamente ao desenvolvimento econômico. O Governo não poupará esforços para favorecer a acumulação de recursos públicos e privados, que se destinem a ampliar a produção nacional, e assim melhorar, pelo emprego e pela abundância, as condições de vida do nosso povo” (mensagem ao Congresso, 1951).

Alguns meses depois, nesse mesmo ano, ele estabelecerá:

“… é o petróleo um fator básico para a emancipação econômica e o bem-estar social do nosso povo” (Mensagem ao Congresso Nacional propondo o Programa do Petróleo Nacional e a criação da Petrobrás, 8 de dezembro de 1951).

O que será detalhado no ano seguinte:

O projeto de incorporação da Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima, ou, mais simplesmente, Petrobrás, visa captar, para o desenvolvimento da indústria brasileira do petróleo, as fontes de receita de que necessita e a centralização de iniciativas que lhe é indispensável. Mais ainda, consolida a orientação nacionalista, de que nunca se afastou o meu governo e que espero poder sustentar até o fim, contra todos os adversários descobertos ou embuçados e os inimigos da nossa emancipação econômica” (23/06/1952).

A questão de fundo seria sintetizada, logo em seguida, dessa forma:

A fixação de uma política nacional de energia é ponto básico para o desenvolvimento e a emancipação econômica do país” (31/01/1953 – prestação de contas de dois anos de governo).

Agora, outra vez, retornemos no tempo, para dois anos antes do discurso na instalação da Comissão de Planejamento:

… estamos empenhados numa luta decisiva, em que se jogam os destinos da civilização, (…) certos de que esta guerra não é feita para garantir privilégios e amparar monopólios, mas para estabelecer a paz com justiça e assegurar a todos uma vida melhor, subordinando as vantagens individuais aos deveres para com a coletividade” (Discurso no quinto aniversário do Estado Novo, 10 de novembro de 1942).

E, dois anos depois, ele desenvolveria este raciocínio:

Não podemos admitir a hipótese (…) de que, terminada a guerra e depois de tantos sacrifícios, venham a persistir nas relações entre os povos os mesmos processos condenáveis de dominação econômica. (…) A excelente máxima de ‘viver e deixar viver’ terá de presidir aos ajustes e convênios futuros. E nem vale a pena pensar em que desorganização caótica, de revoluções e perturbações, mergulhará o mundo de novo se não for ouvida a voz da razão e não nos convencermos de que não é possível a hegemonia de nenhum povo ou raça, isoladamente, sobre os demais.

O discurso na instalação da Comissão de Planejamento tem o mérito de condensar em poucas palavras o conjunto desse ideário – que é um programa de libertação do Brasil.

C.L.

GETÚLIO VARGAS

Senhores, mais do que em outras ocasiões graves da sua vida o Brasil enfrenta, neste momento, um problema imperioso: o da organização da economia nacional em bases consistentes, capazes de suportar, sem crises profundas, o desenvolvimento das forças produtivas, mantendo o ritmo do progresso com o máximo aproveitamento das suas fontes de riqueza e do seu potencial humano.

Só as mentalidades impermeáveis aos ensinamentos dos fatos podem acreditar ainda na validade dos princípios do laisser-faire econômico e nos seus corolários políticos. O livre jogo das forças sociais, no estágio de evolução a que atingimos, é a anarquia pura e simples. Esta verdade, cabalmente confirmada pelas imposições da guerra às grandes potências mundiais, torna-se de maior evidência em relação aos povos como o nosso, em plena fase de crescimento e expansão. País novo, no sentido da apropriação dos recursos naturais e sua valorização, o Brasil reclama disciplina e método em todas as atividades criadoras de riqueza.

A Comissão de Planejamento, que ora instalamos, não se destina a intervir compulsivamente na organização econômica nem pretende entravar a iniciativa particular, mas, pelo contrário, ampará-la, quando tiver um sentido realizador e orgânico. Deverá agir apenas como instrumento de orientação, ajustando o desenvolvimento geral do país a diretivas racionais e previdentes, evitando desperdícios e perturbações sociais.

Os objetivos a atingir, quaisquer que sejam os esquemas propostos de trabalho, estão compreendidos nestes dois problemas básicos: o da exploração produtiva das virtualidades do nosso território e o da melhoria do homem brasileiro. E esse programa exige, por sua vez, a solução de duas questões preliminares e vitais: a industrialização e a educação técnica.

Sem trabalho científico na exploração da terra continuaremos a “fazer desertos”; sem acompanhar as conquistas técnicas não teremos indústrias verdadeiras, mas apenas extensas manufaturas utilizando mão de obra por processos rudimentares.

O combate ao colonialismo econômico é precisamente um dos pontos doutrinários em que todos os brasileiros estão de acordo. Produzir à maneira colonial quer dizer baixo rendimento do capital empregado, operariado sem estímulos, salários ínfimos, subconsumo e, consequentemente, superprodução.

Em outra oportunidade, por ocasião da Conferência de Interventores, em 1938, lembrei a conveniência do zoneamento das culturas segundo as determinantes geográficas. A Comissão de Planejamento certamente tomará a seu cargo os estudos para isso necessários. O nosso país, estendido da faixa equatorial até muito abaixo do trópico, exige o aproveitamento máximo das condições naturais. Isto só poderá ser alcançado quando dispusermos de energia abundante e de custo módico. Para obtê-la possuímos carvão, petróleo e potencial hidráulico. São fontes de energia que esperam uso largo e intensivo em substituição do esforço braçal.

No setor das indústrias metalúrgicas precisamos progredir o mais rapidamente possível, fabricando máquinas produtoras de máquinas, que nos encaminharão depois às máquinas das indústrias leves, fornecedoras de utilidades de consumo imediato. Com a instalação da nossa primeira usina siderúrgica, de proporções consideráveis, poderemos, desde logo, iniciar a indústria química autônoma. Máquinas-ferramentas, máquinas agrárias, combustíveis, transportes – são os elementos primaciais para a ampliação e intensificação das nossas culturas. Ensino técnico generalizado e eficiente, condensação de núcleos demográficos para facilitar a industrialização, apropriação imediata das zonas mais férteis e sua ligação aos centros distribuidores representam etapas obrigatórias de um programa coerente e construtivo.

A reforma agrária que teremos de empreender não implica redistribuição, porque não temos, como outros povos, escassez de terras. A tarefa apresenta-se com outros aspectos: os de técnica agrícola, de aparelhamento e educação para o trabalho.

Urge mecanizar a lavoura e industrializar os seus produtos, para enfrentarmos as necessidades do crescente aumento das populações e as exigências da exportação. É processo retrógrado de produção o que despreza os subprodutos, limitando-se às formas primárias de utilização. Até agora temos trabalhado empiricamente, instalando indústrias ao sabor das perspectivas eventuais de lucro. Necessitamos, daqui por diante, atender com maior cuidado às questões de rendimento e possibilidades de exportar produtos transformados em vez de matérias-primas e gêneros de alimentação. Para atingir tal objetivo impõe-se reequipar as indústrias existentes e criar outras que lhes sejam complementares.

Só assim poderemos aumentar a renda nacional, ampliando a produção e o consumo. Quando isso houvermos conseguido os problemas propriamente defensivos encontrarão natural e rápido encaminhamento, porque disporemos dentro do país de todos os elementos materiais e humanos indispensáveis ao aparelhamento militar.

Programa tão fácil de resumir reclama – bem o reconheço – o melhor das energias nacionais. Elas já estão mobilizadas para a guerra justa aos nossos agressores. Continuemos, pois, neste estado de alerta e de esforço com o fim de solidificar as bases da nossa produção, assegurando ao capital rendimentos satisfatórios e ao trabalho salários compensadores.

O Brasil, vitorioso juntamente com os seus aliados na luta que está travada, com o crédito fortalecido pela estabilidade da sua situação financeira, encontrar-se-á, finda a guerra, em condições sobremodo favoráveis para expandir-se e acelerar o seu progresso econômico.

Acredito que vos achais compenetrados da seriedade do momento, da importância de todas as contribuições e da necessidade de trabalhar dedicada e silenciosamente pelo engrandecimento da pátria.

Não preciso indicar nem ampliar os perigos que nos rodeiam. Os povos fracos, herdeiros de base territorial vasta e rica, são, naturalmente, presa cobiçada. E não é apenas pela invasão manu militari que podem perder a sua independência e sofrer ameaças à sua soberania. Também isso acontece quando pela alienação das indústrias-chave se cedem os materiais estratégicos e se confiam a mãos alheias os fatores capitais da defesa nacional.

A Comissão de Planejamento, com a firme colaboração que estabelecerá entre os elementos militares, preocupados com os problemas de segurança, e os mais amplos setores da atividade privada, vai realizar tarefas que serão verdadeiras provas de seleção patriótica. O novo órgão do Estado saberá, por certo, contrapor-se aos propósitos solertes de especuladores e monopolistas e às influências pessoais ou de grupos, permanecendo fiel aos superiores interesses da nação.

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