Nacional-desenvolvimentismo

“Cada gota do meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência”

Já faz alguns anos desde a última vez que republicamos a Carta Testamento do presidente Getúlio Vargas.

Por vezes, no 24 de agosto, data de seu martírio, preferimos publicar outros documentos menos conhecidos de Getúlio, ou de seus companheiros (por exemplo, Oswaldo Aranha), ou mesmo dedicar nossa edição à luta atual, como forma de homenagear a maior figura de nossa História.

No entanto, este ano temos uma razão especial para republicar o mais candente libelo já escrito pela libertação do Brasil.

Getúlio viveu e morreu pelo desenvolvimento do país, pela justiça social para com os brasileiros, pela emancipação nacional. Não recuou em verter o seu sangue para que os brasileiros tivessem as riquezas e recursos nacionais a serviço do seu desenvolvimento – o que só é possível, obviamente, se as riquezas e recursos dos brasileiros forem dos brasileiros. Não existe como o Brasil se desenvolver, se os brasileiros não puderem decidir livremente sobre o que é seu – portanto, sem que a Nação seja livre.

Hoje, quando, para alguns, ao que parece, entregar o petróleo às multinacionais – e não somente o petróleo, mas as rodovias, as ferrovias, os portos, quiçá a geração de eletricidade, e quase toda a indústria – se tornou uma utopia, cabe perguntar: nessa miséria, qual seria o lugar dos brasileiros dentro do Brasil, se tudo o mais (isto é, o seu país, inclusive o que eles construíram) for controlado por monopólios estrangeiros? Que papel os brasileiros teriam, senão, como diz Getúlio, o de escravos? Em suma, que desenvolvimento nacional pode-se esperar, se não houver economia nacional – se não houver Nação?

No entanto, essa aberração não tem a menor condição de prevalecer. O motivo está na Carta Testamento: “Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo a vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação“.

Neste momento, em que o governo necessita de uma evidente correção de rumos, é altamente inspirador ler ou reler a Carta Testamento – e perceber que o desenvolvimento real que o país teve, nos 59 anos que se seguiram, está, todo ele, contido no sintético conteúdo do último escrito de Getúlio. Foi assim que, apesar de todas as vicissitudes, realizou-se o seu último propósito: “Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta“.

C.L.

P.S.: Para esta edição, reproduzimos a Carta Testamento de acordo com o texto datilografado, e assinado pelo presidente Getúlio, digitalizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV). A principal diferença em relação às versões em geral publicadas é o trecho: “Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma agressão constante”, etc., onde, nessas versões, a palavra “agressão” foi substituída por “pressão”.

GETÚLIO VARGAS

“Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim.

“Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes. Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao Governo nos braços do povo. À campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se às dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente.

“Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

“Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma agressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser o meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo a vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no meu pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta.

“Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram, respondo com a minha vitória. Eu era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo, não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate.

“Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

Getúlio Vargas

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