Eliana Reis entrevista Glaúcia Morelli, presidente da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB).
A proposta de Emenda Constitucional (PEC 287) que reforma a Previdência Social, encaminhada pelo governo Temer ao Congresso Nacional, igualando as mesmas regras para todos os trabalhadores, penaliza particularmente as mulheres. Hoje, as trabalhadoras brasileiras vinculadas ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS) se aposentam depois de 30 anos de contribuição ou após 60 anos de idade com um mínimo de 15 anos de contribuição ou 180 meses. A PEC 287 prevê o aumento da idade mínima de 60 para 65 anos para os homens e de 55 para 65 anos para as mulheres. As mulheres passariam a contribuir mais 19 anos ininterruptos para conseguirem se aposentar aos 65 anos. São 49 anos de contribuição ininterrupta para receber os vencimentos integrais. A mudança passaria a valer para todas as mulheres, da cidade e do campo, de todas as categorias, acabando com as regras que hoje protegem as professoras de educação básica, as trabalhadoras rurais e as servidoras públicas que, hoje, se aposentam pelos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPSs). “Em outras palavras, a proposta pretende acabar com o princípio da solidariedade social, que está presente na concepção de Previdência desde a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988 e que busca dar tratamento diferenciado a segmentos populacionais com condições desiguais de inserção no mercado de trabalho “, destaca a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP), em Nota Técnica (171) – As Mulheres na Mira da Reforma da Previdência.
Sobre isso América do Sol foi ouvir Glaúcia Morelli, presidente da Confederação das Mulheres do Brasil (CMB), que está mobilizando as mulheres brasileiras, junto com as Centrais Sindicais, para a Greve Geral, dia 28 de abril, contra o ataque às aposentadorias e à Previdência Social.
E.R.
América do Sol – Com as novas regras impostas por Temer, as mulheres, seja na área urbana ou rural, no serviço público ou privado, enfim, em todas as categorias, passariam a ter acesso à aposentadoria somente aos 65 anos de idade, desde que completassem 25 anos de contribuição, as mesmas condições impostas aos homens, tanto pela elevação da idade mínima, quanto pelo aumento da contribuição por tempo de serviço, sendo que com a combinação destes dois requisitos. Na justificativa do governo, a longevidade da mulher é um problema para a sociedade porque “elas vivem mais e se aposentam mais cedo”.
Gláucia Morelli – É o fim da Seguridade Social assegurada pela Constituição Cidadã de 88. As mulheres não terão mais acesso à aposentadoria. A reforma condena as mulheres à escravidão. Hoje em dia esse acesso já é muito aquém do que as mulheres precisam. Simples assim. Trabalharemos ainda mais e se aposentarmos já será às portas do túmulo. É o que queria a ex-presidente Dilma. Ela abriu a porteira, não só para a realização da reforma, mas também para que a proposta tivesse requintes de crueldade contra as mulheres, quando declarou em 2015 que a Previdência precisava de reforma porque tinha déficit e porque “as mulheres se aposentavam mais cedo e viviam mais”. A greve nacional dia 28 de abril dirá que nossos direitos, não só serão mantidos, mas serão ampliados. A manifestação contra esse ataque à Previdência será um passo decisivo para que a gente se livre desses que aí estão apenas para tirar do povo para dar aos bancos.
ASOL – O governo argumenta ainda que há uma “tendência internacional” no sentido de se eliminarem as diferenças na idade da aposentadoria em função do sexo, que a participação da mulher no mercado de trabalho está crescendo e que a diferença salarial está caindo, assim como estão diminuindo as horas dedicadas ao trabalho doméstico. A ANFIP contesta os argumentos ressaltando que com relação aos rendimentos, em 2015, as mulheres receberam 18,9% a menos do que os homens em atividades formais, com a mesma carga horária de trabalho e, apesar de terem, em média, mais anos de estudo. Incluindo o trabalho informal, a remuneração média das mulheres é 30% abaixo da recebida pelos homens. Além disso, o desemprego atinge em cheio as mulheres que, em 2015, respondiam por uma taxa de ocupação de 11,7% contra 7,9% para os homens. Empregadas, 35,5% não tinham carteira de trabalho contra 18,3% de homens. Como você se posiciona sobre esses argumentos do governo defendido pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
GM – De 2001 a 2015, houve um aumento de 10,4 milhões para 16,4 milhões no total de aposentadas e pensionistas, o que corresponde a crescimento de 57,8%. Mesmo assim, em 2014 havia 24,3 milhões de pessoas sem proteção social e 44% delas eram mulheres. Apesar do crescimento do acesso das mulheres ao mercado e à proteção social falta muito para termos os direitos que merecemos e precisamos. A ausência de políticas públicas que proporcionem à mulher a inclusão no trabalho com igualdade de salários e de oportunidades é claramente expressa nos números a seguir. As mulheres são apenas 30,3% das aposentadorias por tempo de contribuição enquanto os homens são 69,7%. Aposentamos mais pela idade do que por tempo de contribuição. Muitas mulheres não conseguem se aposentar por tempo de contribuição porque muitas delas não têm trabalho com carteira assinada e muitas são obrigadas a deixarem o emprego porque não têm com quem deixar os filhos. O Anuário Estatístico da Previdência Social de 2015 aponta que as mulheres foram 62,6% do total das aposentadorias por idade no RGPS enquanto os homens foram 37,4%. O valor médio dos benefícios no RGPS foi de R$ 1.101,13 em 2015. Os homens receberam em média R$ 1.260,41 enquanto as mulheres receberam R$ 954,78.
Se a PEC 287 for aprovada a aposentadoria por tempo de contribuição será extinta e como a idade mínima para as mulheres será de 65 anos, igual à dos homens, seremos condenadas a esmolar quando deveríamos estar mais protegidas e acolhidas pela sociedade depois de anos de trabalho tentando ter uma renda digna, de formar família, criar filho, enfrentar até tripla jornada de trabalho, ainda mais quando queremos estudar e participar da política.
Hoje quase não conseguimos aposentar via tempo de contribuição trabalhando 180 meses ou 15 anos. Evidentemente, por esta contagem, será quase totalmente impossível já que trabalharemos 300 meses ou 25 anos. Por idade será praticamente impossível, já estaremos com o pé na cova. Os números de hoje refletem que a falta de acesso à aposentadoria e as desigualdades nos valores dos proventos são a continuidade da realidade de exploração e desigualdade que vivemos no mercado de trabalho. Os números que virão serão ainda mais estarrecedores até porque só existirão no negativo já que não aposentaremos. Trabalhadoras rurais e urbanas já vivem sob grandes dificuldades, com a PEC 287 a sobrevivência não existirá.
ASOL – O governo então, ao invés de ampliar o acesso das mulheres à Previdência está, não só dificultando, mas efetivamente excluindo as trabalhadoras desse benefício?
GM – As lutas trabalhistas persistiram pela proteção e valorização dos trabalhadores e, em particular, das trabalhadoras, desde o início de suas atividades produtivas com a carteira assinada e seus benefícios até a aposentadoria. Ter a carteira assinada é sinônimo de trabalho digno como o merecido descanso após anos de contribuição. Essa reforma quer garantir a contribuição por 49 anos aos cofres sem que depois o contribuinte esteja vivo para receber sua contrapartida, seu descanso e maior convivência com a família. As contribuições serão drenadas para os cofres dos bancos por vários caminhos e aos trabalhadores restará as arapucas da Previdência Privada. Mas como a maioria dos trabalhadores recebem salário de fome não terá nem a previdência pública nem a privada. É trabalhar a vida toda e enfrentar a velhice sem qualquer apoio para as necessidades e dificuldades que chegam nesta fase da vida.
Somos a maioria dos trabalhadores sem carteira assinada e quando conseguimos a carteira em geral é com os salários mais baixos. Além disso, todo o cuidado com os filhos, os idosos e a casa fica principalmente sob responsabilidade da mulher. O novo critério do governo desconsidera a dupla jornada que, ao contrário do que diz os neoliberais de Temer e Meirelles, não é uma opção da mulher. Bem melhor seria ser mulher, mãe e trabalhadora num país que não nos obrigasse a viver no dilema entre ser mãe ou ter uma carreira profissional ou política, entre ser mãe e ser trabalhadora e ter um salário para ter um mínimo de independência econômica. As mulheres são as principais responsáveis pelos trabalhos domésticos e o cuidado com os filhos, o caracteriza a dupla jornada de trabalho, que sobrecarrega as mulheres brasileiras que não contam, em sua grande maioria, com o apoio do Estado, através de serviços públicos, como creches e assistência ao idoso. A reforma excluirá de vez as mulheres do direito à velhice com alguma proteção financeira.
ASOL – E qual é o objetivo real dessa reforma diante do falso ”déficit”, contestado por especialistas, que prevê a falência da Previdência em 2060?
GM – Querem assaltar a Previdência e os direitos trabalhistas. Depredam a Previdência Social com o desemprego criminoso que promovem e com a inadimplência dos bancos e dos monopólios para com os cofres do sistema de Proteção Social e querem culpar as mulheres por um déficit que não existe. Meirelles é um ser a serviço dos bancos. De um governo que não é do povo é dos bancos. Está aí para servi-los. Ele só pensa em como fazer para melhor arrancar dinheiro do Orçamento Público para aumentar os lucros dos bancos, seus patrões. Tira das creches, das escolas infantis, da saúde pública, da assistência social e portando do apoio aos idosos e deficientes físicos, enfim, de todo serviço público que possa atender o povo e diminuir a carga das mulheres dentro das famílias e diz que estamos com menos tarefas domésticas.
Quem ele acha que segura as consequências de tudo o que ele corta de recursos para as necessidades das crianças, dos jovens, dos idosos. Sobra para quem. É hipócrita. Não porque não seja capaz de perceber a besteira que está falando. Na verdade, considera que é preciso mais e mais exploração para garantir mais e mais atendimento aos bancos. A DRU [Desvinculação de Receitas da União] que era prevista para situações excepcionais, não só se tornou um desvio anual das verbas da Previdência para engordar o superávit para bancos, como aumentou de 20% para 30% o desvio de recursos proposta por Dilma e aprovada por um Congresso de ladrões
ASOL – Quais a mensagens da CMB para as mulheres brasileiras?
GM – O que dizer e fazer com esta tropa de ladrões que pensa em fazer uma reforma trabalhista que entre outras coisas permite ao patrão colocar mulheres grávidas trabalhando em locais insalubres mediante um atestado médico qualquer? São ou não são criminosos e escravocratas alçados à presidência pelo PT com suas chapas PT/PMDB embaladas na corrupção e no abuso do poder econômico que destruiu a nossa democracia tão duramente conquistada com o fim da ditadura? Nós sabemos o que fazer. Não daremos sossego. Vamos colocá-los no camburão!
Entrevista publicada no Suplemento Amércia do Sol Nº 5 – Abril de 2017.
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