Claudio Campos
Ao longo dos últimos anos, o Brasil foi subordinado, da forma mais completa possível, aos interesses do capital financeiro internacional. Toda a nossa economia e todo o nosso aparelho estatal foram orientados e redimensionados de maneira a afastar, abafar ou reprimir qualquer obstáculo a essa subordinação.
O país passou a adotar uma estratégia de desenvolvimento que abdicava inteiramente de uma economia autocentrada e autossustentada e que tinha como base o capital, a tecnologia e até, em grande parte, o mercado estrangeiro. Priorizaram-se os rumos de produção que permitiam o otimização dos investimentos dos países centrais em uma tecnologia que, desenvolvida com base nas suas necessidades, passava a ser exportada para os países periféricos.
A pedra de toque dessa estratégia foi o arrocho salarial. Ele permitia o aumento das taxas de lucro e, por esse caminho, a atração dos capitais externos. A contração do mercado interno, provocada pela contenção dos salários, era contornada pela intensificação das exportações.
Uma tal estratégia, que implicava o esmagamento salarial da imensa maioria dos brasileiros, em rígidos limites para a iniciativa dos intelectuais e do empresariado nacional e a descaracterização e sufocamento da identidade nacional, dificilmente poderia ser posta em prática através de métodos democráticos de governo. Em função disso, o País enveredou por um caminho autoritário.
Logo, no entanto, o preso crescente do capital estrangeiro se constituía num poderoso entrave à acumulação interna. A insuficiência na indústria de máquinas e equipamentos condenava a pequena e média empresa ao atraso e à insolvência e as grandes à importação dos caríssimos materiais e tecnologia estrangeiros. Os preços de produção subiam e as taxas de lucro caiam. A indústria de bens de consumo de luxo não podiam expandir-se tendo como mercado uma população historicamente empobrecida e depauperada ainda mais pelo arrocho salarial. Uma estrutura de propriedade rural ultrapassada continha a produção agrícola, agravando o aumento dos preços de consumo e de produção industrial.
A economia brasileira se transformou num aleijão, onde um reduzido número de empresas tecnologicamente avançadas – principalmente multinacionais 0 esmagavam e eram ilhadas por um mar de empresas precárias, atrasadas e insolventes.
A colossal dívida externa que acumulamos é o testemunho mais evidente da crise e da espoliação que o País foi submetido.
Tudo o que foi dito até aqui nos parece deixar claro que o que descrevemos é a crise da dependência, é o esgotamento do “modelo” dependente de desenvolvimento. É urgente romper com a sangria desatada pelos pagamentos da dívida externa e orientar os recursos assim poupados para a construção de uma economia autocentrada e autossustentada; priorizar a indústria de máquinas e equipamentos e de bens de consumo popular, diminuindo dessa forma os preços de produção; democratizar a propriedade de terra desemperrando e barateando assim a produção agrícola; romper com o arrocho salarial estimulando também por esse caminho o crescimento do mercado interno.
Parece evidente que o principal entrave atual ao desenvolvimento de nossas forças produtivas não são as relações de produção capitalistas; são as relações de produções dependentes. Portanto, a transformação econômica que corresponde ao estágio atual da democratização da sociedade, não é, evidentemente, a ruptura com o capitalismo.
Afirmar que o que está em causa não é o capitalismo geral não significa que estejamos condenados, num Brasil democrático, a assistir passivamente à lógica pura e simples de produção capitalista. Se a sociedade ainda estará dentro de marcos burgueses, por outro lado estará presente uma outra característica indispensável inclusive à ruptura com a dependência: o peso crescente do proletariado urbano e rural tanto a nível político como na orientação da economia.
O caráter central da democracia que se faz necessária é, pois, a constituição de um Estado efetivamente nacional, é a ruptura com o Estado submisso aos interesses externos, descomprometido com a Nação e, portanto, com o nosso povo. É esse estágio atual da luta pela democracia, luta essa que prosseguirá até a constituição de uma sociedade socialista e que continuará, mesmo depois disso.
A nossa revolução nacional e democrática, que todos se empenham em promover pacificamente – já se encontra em um estado avançado de seu desenvolvimento e próxima de momentos decisivos.
*Artigo de 1984, publicado no livro “Retrato do Brasil” – volume IV, coletânea organizada por Raimundo Pereira, em 1985.
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