Nilson Araújo de Souza
A crise brasileira atual é de natureza estrutural. Tem sua origem na década de 1970, quando se esgotou o padrão dependente de reprodução do capital, e só não foi superada ainda porque, a cada governo, a partir do governo Figueiredo, têm sido adotadas medidas que agravam a dependência, a desnacionalização e a financeirização da economia e a piora das condições de vida do povo. Mais recentemente, o PT, que havia se formado na oposição a essas medidas, ao chegar ao governo preservou, em sua essência, esse padrão de economia.
As crises acarretam efeitos destrutivos sobre a economia, mas prejudicam, sobretudo, os trabalhadores, que mergulham no exército industrial de reserva ou têm seus salários reais reduzidos. Mas é também nas crises, particularmente nas crises estruturais, como a que atravessa o Brasil, que nascem as grandes soluções. Mais ainda, a solução dos problemas de qualquer país aparece na crise. O ideograma chinês que significa crise também significa oportunidade, possibilidade de superação.
O enfrentamento de uma crise estrutural demanda medidas que impliquem em transformações profundas. O Brasil tem um potencial muito grande para realizar essas transformações. Conta com um potencial imenso de recursos naturais e com um parque industrial que, apesar de estar sendo sucateado, ainda é importante. Conta com um povo inventivo e que já demonstrou, ao longo da história, uma grande capacidade de luta. Dispõe de recursos financeiros abundantes, boa parte dos quais, no entanto, está sendo drenada para o exterior, apropriada pelos rentistas e, por conseguinte, esterilizada na especulação financeira, apropriada sob a forma de lucro extra pelos monopólios ou escondida nos paraísos fiscais pelos ricos que não pagam imposto.
Então, o que está bloqueando a superação da crise e a retomada do desenvolvimento, entendido este não apenas como aumento das forças produtivas, mas como transformação das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais? Pelo que vimos até aqui, a dependência, as políticas econômicas que reforçam a dependência e suas manifestações, tais como a drenagem de recursos para o exterior, a superexploração da força de trabalho e o estreitamente do mercado interno de massa. Assim, o caminho da superação da crise e da retomada do desenvolvimento passa pelo enfrentamento da dependência – o que implica em romper com a dominação econômica que é realizada a partir das metrópoles imperialistas sobre a economia brasileira – e do domínio dos monopólios e do capital rentista, da superexploração da força de trabalho e do consequente estreitamento do mercado interno.
O Brasil já tem uma história de enfrentamento da dependência. Trata-se do processo deflagrado pela Revolução de 30. Getúlio Vargas criou o Estado nacional brasileiro, promoveu a industrialização sob controle nacional, alavancada pelo Estado e voltada para o mercado interno. Patrocinou a criação da legislação trabalhista, uma das mais avançadas do mundo na época. O momento culminante desse processo ocorreu na década de 1960, quando o herdeiro político de Getúlio, João Goulart, lançou as Reformas de Base. Eram oito reformas. Sua implementação completaria a formação da Nação e do Estado nacional brasileiro. Isso assentaria as bases para transformações mais profundas da economia e da sociedade brasileiras.
João Goulart anunciou pela primeira vez seu programa de Reformas de Base em março de 1958, quando era vice-presidente da República de Juscelino Kubitscheck. Em 1959, procurou entendimento com senadores para a aprovação de medidas legislativas que estavam em tramitação no Congresso Nacional, muitas das quais reforçavam as Reformas de Base.
Na sua campanha para vice-presidente, em 1960, quando se reelegeu, converteu as Reformas de Base no eixo central de sua pregação. Com a renúncia de Jânio Quadros, assumiu a presidência em agosto de 1961, sob o Parlamentarismo. Em 1962, deflagrada a campanha pelo retorno do Presidencialismo, convocou o economista Celso Furtado para o recém-criado Ministério extraordinário do Planejamento, com a incumbência inicial de formular um programa para os três últimos anos de governo. Nasceu o Plano Trienal, que combinava medidas de curto prazo de combate à inflação pela via de contenção da demanda com as Reformas de Base. Depois de muita luta política e a mobilização popular contra os aspectos contencionistas do Plano Trienal, este foi “engavetado” e Jango concentrou-se nas Reformas de Base. Anunciou algumas delas, particularmente a Reforma Agrária, no comício da Central do Brasil em 13 de março de 1964, e logo depois, a 15 de março, enviou mensagem ao Congresso, conhecida como Caminho Brasileiro, em que sistematizou as Reformas de Base (Goulart, 15mar.1964).
Para realização da reforma bancária, enviou proposta ao Congresso. Tinha como objetivo atender às exigências do crescimento da economia nacional e à necessidade da execução de uma política financeira para a contenção do processo inflacionário. Para isso, a proposta de reforma visava a implantação de um órgão centralizado (Banco Central) para a direção da política monetária e bancária, ao mesmo tempo em que procurava dotar o Governo de condições que melhor lhe permitissem selecionar o crédito para o impulso das forças de produção (Goulart, 15 mar.1964). Propunha a ampliação e democratização do acesso ao crédito e ao financiamento, inclusive o crédito rural e habitacional. Para isso, a reforma bancária buscava reforçar o papel do Banco do Brasil na política creditícia e monetária, um maior controle sobre o câmbio (o chamado monopólio do câmbio), a participação dos trabalhadores nos órgãos decisórios do sistema financeiro e a nacionalização dos bancos estrangeiros de depósito (Bercovici, 2º. Semestre de 2014;Corbisier, 2008).
Segundo Corbisier,
os critérios que devem orientar a Reforma Tributária decorrem, portanto, das exigências do desenvolvimento e das Reformas de Base. Pela correção do aparelho arrecadador e fiscal, aumentar as rendas do Estado, sobrecarregando as classes ricas e aliviando as classes pobres, a fim de que, com maiores recursos, possa o Poder Público desincumbir-se das novas tarefas e dos novos encargos de que está investido, como principal agente do desenvolvimento, da emancipação econômica do País e promoção da Justiça Social(Corbisier, 2008, p. 277).
Por sua vez, para Gilberto Bercovici,
a proposta de reforma tributária tinha como fundamento o reforço dos impostos diretos em detrimento dos impostos indiretos, ampliando a tributação sobre o patrimônio e a renda. Outra medida seria a federalização do Imposto Territorial Rural (ITR), que, no texto constitucional de 1946, era competência dos Estados” (Beercovici, 2º. Semestre 2014, p. 99).
O reforço dos impostos diretos se deve ao fato de serem progressivos.
No caso da reforma do estatuto do capital estrangeiro, a lei de remessa de lucros (lei no. 4131, aprovada em 03.09.1962 e regulamentada por Jango em 23.01.1964) foi a principal medida de “controle e disciplinamento” do capital estrangeiro e que tinha como objetivo barrar a sangria externa da economia nacional e promover, na concepção do governo Jango, o desenvolvimento autônomo (Bercovici,2º. Sem. 2014, p. 99). A limitação de remessa de lucro pelo capital estrangeiro constava de um projeto encaminhado ao Congresso por Getúlio Vargas antes do suicídio em 1954, mas só foi aprovado em 1962 e regulamentado em 1964.
Estabelecia que as sucursais de empresas estrangeiros instaladas no País só poderiam enviar para o exterior, no máximo, de 8 a 10% do capital aportado do exterior e originalmente investido (Silva, 1983-1984, p. 81). Portanto, os capitais resultantes de reinvestimento de lucros obtidos no País não poderiam remeter lucros (entre as primeiras medidas adotadas pela ditadura, encontra-se a revogação da lei de remessa de lucro e o estabelecimento de uma nova regra que estipulava que poderiam ser enviados até 12% do conjunto do capital).
Outra medida de controle do capital estrangeiro foi a revogação da Instrução 113 da SUMOC, que permitia que o capital estrangeiro poderia importar máquinas usadas sem cobertura cambial. Em seu lugar, editou-se a Instrução 242, que proibia o registro de financiamento estrangeiro para a importação de maquinas e equipamentos que a indústria nacional pudesse fabricar (Moniz Bandeira, 1977. P. 118). “Propunha-se, ainda, a nacionalização das concessionárias de serviços públicos, dos bancos de depósito, das companhias de seguro, a ampliação do controle nacional sobre a exploração dos recursos minerais e da energia elétrica, dentre outras políticas” (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p.99).
Junto com a Mensagem ao Congresso de 15 de março de 1964, foram encaminhadas quatro medidas voltadas para a Reforma administrativa (Goulart, 15 mar.1964). Visava reforçar o Estado e lhe assegurar instrumentos para atuar nas esferas econômica e social. A finalidade da estrutura político-administrativa passaria a ser a realização dos planos de desenvolvimento e as Reformas de Base. Para isso, segundo Roland Corbisier, teria que simplificar e racionalizar a máquina administrativa, dotando-a de pessoal qualificado e de planos e recursos que a convertessem em instrumento propulsor do desenvolvimento e da emancipação econômica do País (Corbisier, 2008, pp. 272-5).
Entre as medidas da Reforma Administrativa, destacava-se a criação de um órgão de planejamento nacional (para isso, havia criado o Ministério Extraordinário do Planejamento); a ampliação do monopólio estatal do petróleo (envolvendo o refino e a distribuição; a medida de encampação das refinarias estrangeiras foi anunciada no comício da Central do Brasil de 13 março de.1964); a estruturação do Estado como planejador e executor da política energética (a Eletrobrás acabava de ser constituída); a recuperação e ampliação das ferrovias e portos; a racionalização dos serviços públicos e a ampliação da participação dos trabalhadores nos órgãos decisórios da Administração Pública (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p.99).
A Reforma política era outra das Reformas de Base. Na Mensagem encaminhada ao Congresso em 1964, Jango denunciou a discriminação em relação a milhões de brasileiros proibidos de participar do processo eleitoral:
São inadmissíveis, na composição do corpo eleitoral, discriminações contra os militares, como as praças e os sargentos, chamados ao dever essencial de defender a Pátria e assegurar a ordem constitucional, mas privados, uns, do elementar direito do voto, outros da elegibilidade para qualquer mandato.
Outra discriminação inaceitável atinge milhões de cidadãos que, embora investidos de todas as responsabilidades civis, obrigados, portanto, a conhecer e a cumprir a lei e integrados na força de trabalho com seu contingente mais numeroso, são impedidos de votar, por serem analfabetos (Goulart, 15 mar.1964, p. LV).
Denunciou também a discriminação ideológica na composição partidária:
A verdade, já agora irrecusável, é que o nosso processo democrático só se tornará realmente nacional e livre quando estiver integrado por todos os brasileiros e aberto a todas as correntes de pensamento político, sem quaisquer discriminações ideológicas, filosóficas ou religiosas, pata que o povo tenha a liberdade de examinar os caminhos que se abrem a sua frente, no comando do seu próprio destino (Goulart, 15 mar.1964, pp. LV-LVI).
Para remover essas discriminações, propôs ao Congresso Nacional:
Para esse passo essencial e inadiável, é, a meu ver, imprescindível que se altere a Constituição da República, a fim de incorporar, caso nisto aquiesça o Congresso Nacional, no exercício de sua atribuição privativa, como princípios básicos de nossa vida política, as seguintes normas:
— São alistáveis os brasileiros que saibam exprimir-se na língua nacional e não hajam incorrido nos casos do art. 135 da Constituição.
— São elegíveis os alistáveis (Goulart, 15 mar.1964, p. LVI).
A Mensagem de março de 1964 também propôs a Reforma universitária:
Ê também imperativa a reforma dos dispositivos constitucionais, disciplinadores da educação nacional, a fim de ampliarem-se as garantias da liberdade do docente e redefinir-se o instituto da cátedra, retirando-lhe o caráter de domínio arbitrário e irresponsável de um campo do saber, para possibilitar ao ensino superior a renovação de seus quadros, o domínio da ciência e da técnica e maior eficácia na transmissão do conhecimento. Para esse efeito, sugiro seja estudada pelo Congresso Nacional a conveniência de integrar no texto constitucional os seguintes princípios:
— É assegurada ao professor de qualquer dos níveis de ensino plena liberdade docente no exercício do magistério.
— É abolida a vitaliciedade da cátedra, assegurada aos seus titulares a estabilidade, na forma da lei.
— A lei ordinária regulamentará a carreira do magistério, estabelecendo os processos de seleção e provimento do pessoal docente de todas as categorias e organizará a docência, subordinando os professores aos respectivos departamentos.
— Às Universidades, no exercício de sua autonomia, caberá regulamentar os processos de seleção, provimento e acesso do seu pessoal docente, bem como o sistema departamental, ad referendum do Conselho Federal de Educação (Goulart, 15 mar.1964, pp. LVI-LVII).
Não encontrei na Mensagem, mas autores pesquisados (Roland Corbisier e Gilberto Bercovici) indicam que a Reforma Universitária propunha que a democratização da Universidade contemplava, além do fim da vitaliciedade das cátedras, a participação dos estudantes nos processos decisórios.
Outra reforma, a urbana, dependia de mudança constitucional. “Ao combater o monopólio da propriedade imobiliária, a reforma urbana tinha por objetivo ampliar o acesso aos imóveis urbanos” (Bercovici, 2º. Sem. 2014, p. 99). A Reforma Urbana implicava a solução de outros problemas, como o de transporte coletivo e serviços públicos, mas, “à semelhança da Reforma Agrária, exige fundamentalmente a liquidação do monopólio da propriedade urbana, e o acesso, a essa propriedade, de todos aqueles que residem e trabalham nas cidades” (Corbisier, 2008, p. 284).
Teria, segundo Corbisier, as seguintes medidas principais:
limitação do número de imóveis urbanos de propriedade particular e desapropriação do excedente; desapropriação compulsória, por interesse social, dos imóveis residenciais desocupados além de determinado prazo; venda, a prazo longo e juros módicos, pelos organismos oficiais de crédito, às classes assalariadas, dos imóveis desapropriados por interesse social; construção, pelo Estado, de grandes conjuntos residenciais, a serem vendidos à classe trabalhadora sem objetivo de lucro mas visando apenas contribuir para a solução desse problema social” (Corbisier, 2008, p. 283-4)
Sobre a Reforma Agrária, segundo João Goulart, em sua Mensagem de 15 de março de 1964,
no quadro das reformas básicas que o Brasil de hoje nos impõe, a de maior alcance social e econômico, porque corrige um descompasso histórico, a mais justa e humana, porque irá beneficiar direta e imediatamente milhões de camponeses brasileiros, é, sem dúvida, a Reforma Agrária (Goulart, 15 mar.1964, p. LI).
Além de beneficiar a milhões de trabalhadores, a Reforma Agrária propiciaria o fortalecimento do mercado interno para a indústria e o fornecimento de alimentos para as populações urbanas. No Comício da Central do Brasil, a 13 de março de 1964, Jango assinou o decreto no. 53.700, que considerava de interesse social, portanto passíveis de desapropriação, os imóveis rurais de mais 500 hectares situados até a 10 quilômetros da margem das rodovias, ferrovias e açudes federais (Bercovici, 2º. Sem. De 2014, p. 101). Ele justificou da seguinte maneira: se as terras fossem valorizadas porque o Estado investiu recursos públicos, então têm de ser devolvidos à população os benefícios dessa valorização. Sua meta era distribuir terras para 10 milhões de trabalhadores. Incluindo a família, atingiria cerca de 40 milhões de pessoas.
Mas advertiu em seu discurso que a Reforma Agrária não seria possível sem a modificação da Constituição, a qual estabelecia que a indenização das terras desapropriadas deveria ser prévia e em dinheiro. Por isso, na Mensagem de 15 de março, propôs uma emenda constitucional alterando esse dispositivo, além de outras definições. Diz a Mensagem:
— A ninguém é lícito manter a terra improdutiva por força do direito de propriedade.
— Poderão ser desapropriadas, mediante pagamento em títulos públicos de valor reajustável, na forma que a lei determinar:
- a) todas as propriedades não exploradas;
- b) as parcelas não exploradas de propriedade parcialmente aproveitadas, quando excederem a metade da área total.
— Nos casos de desapropriações, por interesse social, será sempre ressalvado ao proprietário o direito de escolher e demarcar, como de sua propriedade de uso lícito, área contígua com dimensão igual à explorada (Goulart, 15 mar.1964, pp. LII-LIII).
A interrupção das Reformas de Base pelo golpe de 1964 veio fortalecer e consolidar a economia dependente que vinha sendo enfrentada, com altos e baixos, desde a Revolução de 1930. Após a redemocratização de 1985, seguiu-se fortalecendo a economia dependente e a consequência foi a monopolização da economia, o surgimento e aprofundamento do parasitismo rentista, a estagnação da economia e a intensificação da superexploração da força de trabalho, acompanhados da desindustrialização e da reprimarização da economia, fazendo o Brasil retroceder no tempo.
Por isso, a atualização e retomada das Reformas de Base, como caminho brasileiro para o desenvolvimento, devem levar em consideração essas novas características da dependência e enfrentar os principais obstáculos ao desenvolvimento, a saber: 1) a drenagem de recursos para o exterior; 2) o sobrepreço e o superlucro dos monopólios; 3) o rentismo parasitário dos bancos e grandes empresas; 4) a superexploração da força de trabalho e demais manifestações perversas do capitalismo dependente no mundo do trabalho; 5) o estreitamento do mercado interno.
No programa apresentado na campanha presidencial de 2018, o filho de João Goulart, João Goulart Filho, inspirou-se nas Reformas de Base, mas adaptando-as à realidade brasileira atual. Tivemos o prazer de participar da comissão que elaborou referido programa. Apresentam-se a seguir alguns dos seus elementos centrais. Para ele, o trabalho deve ser o elemento central que há de nortear o novo desenvolvimento. Existem 27,7 milhões de trabalhadores desempregados e subempregados e que 72% dos trabalhadores brasileiros ganhavam até dois salários mínimos. O salário mínimo estipulado pelo governo para 2018 (R$ 954,00 por mês), por sua vez, equivale a cerca de ¼ do salário mínimo necessário (R$3.804,06) calculado, com base na Constituição, pelo DIEESE, isto é, o mínimo necessário para garantir o sustento de uma família de quatro pessoas (DIEESE, 15 jul.2018). Para agravar essa situação, a mulher trabalhadora, que hoje representa, segundo o IBGE, 44,5% da força de trabalho e 43,5% da população ocupada, ganha apenas 75% do que ganham os homens em função semelhante (IBGE, 21 jul.2018). O aposentado, em sua ampla maioria, ganha em torno do salário mínimo (71,6% dos aposentados e pensionistas do INSS).
O novo desenvolvimento deve garantir trabalho para todos os trabalhadores, a começar pela criação de 20 milhões de novos empregos; um salário que garanta o sustento e a melhoria constante das condições de vida da família trabalhadora, a começar pela duplicação do poder de compra do salário mínimo; salário igual para trabalho igual, a fim de eliminar a discriminação contra a mulher no trabalho; e salário integral para aposentados e pensionistas, a fim de eliminar a discriminação contra os idosos. Contribui para isso a revogação da lei que revogou a CLT e do fator previdenciário.
Terra para os que nela querem trabalhar, ou seja, a Reforma Agrária, é outro ponto importante do novo desenvolvimento. Até agora, o que houve no Brasil, nessa área, foi uma mera política de assentamentos rurais, sem um projeto mais amplo de Reforma Agrária. A média anual de assentamentos do governo FHC foi de apenas 67 mil; no governo Lula, melhorou um pouco para 76 mil; no governo Dilma (primeiro mandato), despencou para 27 mil. Isso levaria 64 anos para assentar os trabalhadores rurais sem terra. São cerca de 4 milhões de famílias, segundo estimativa do MST, em seu Programa Agrário, computando posseiros, parceiros, arrendatários, assalariados rurais temporários e mini fundistas com até 5 ha.
Como vimos, a primeira e única política séria de Reforma Agrária no Brasil foi a decretada pelo governo João Goulart. Foi, infelizmente, interrompida pelo golpe de 1964. O agronegócio que prevalece hoje no país, ao concentrar a propriedade rural, deteriorar as condições de vida dos trabalhadores do campo e inviabilizar a oferta de alimentos baratos para as populações urbanas, atualiza a necessidade de uma verdadeira Reforma Agrária. Uma Reforma Agrária que democratize o acesso à terra e que contribua para o desenvolvimento ao garantir a oferta de alimentos para as populações urbanas, melhorar as condições de vida no campo e fortalecer o mercado interno para a indústria.
Para realizar a Reforma Agrária, deve-se priorizar o processo de desapropriação das terras improdutivas, das propriedades de empresas estrangeiras, das maiores fazendas (estabelecendo um limite máximo ao tamanho da propriedade das terras agrícolas), de todas as terras que não cumprem a sua função social, relativa ao uso produtivo, às condições sociais e trabalhistas e a preservação do meio ambiente, como estabelece a Constituição Federal de 1988, as áreas nas zonas de fronteira do país que estejam em mãos de grandes empresas, sobretudo de capital estrangeiro; expropriar todas as fazendas que se utilizam de trabalho escravo, narcotráfico e contrabando de mercadorias; exigir a devolução de todas as terras públicas que foram griladas por fazendeiros e empresas; garantir o direito a posse e uso da terra aos povos indígenas e quilombolas, ribeirinhos, pescadores e comunidades tradicionais; além de taxar de maneira progressiva a propriedade rural levando em consideração o tamanho, independente da produção (hoje, com o ITR, o governo arrecada apenas 0,1% de sua receita).
Para que a Reforma Agrária tenha sucesso, deve-se promover a organização da produção e da comercialização com base em todas as formas de cooperação agrícola: formas tradicionais de organização comunitária, associações, cooperativas e empresas sociais. Além disso, para que o trabalhador assentado possa produzir alimentos para as populações urbanas e garantir sua comercialização, deverá ser apoiado com a garantia de preços rentáveis para o pequeno agricultor, compra antecipada de toda produção de alimentos dos pequenos produtores, crédito rural suficiente e subsidiado, seguro rural, assistência tecnológica, armazenagem, apoio ao acesso a máquinas, equipamentos e insumos. Para impedir a mercantilização das terras distribuídas pela Reforma Agrária, todas as famílias beneficiadas deverão receber apenas títulos de concessão de uso, com direito a herança familiar, com dupla titularidade incluindo a mulher, sendo proibida a venda das parcelas de terra de Reforma Agrária (MST, dez. 2015).
Teto para os sem teto deve ser a principal realização da Reforma Urbana integrante do novo desenvolvimento. O déficit habitacional no Brasil, em 2015, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, com base na PNAD do IBGE, era de 7.757.000 de moradias (com base na mesma fonte, mas usando metodologia distinta, a Fundação João Pinheiro calcula um déficit de 6.355.743). Segundo o estudo da FGV, apesar da entrega de 3,2 milhões de moradias pelo programa Minha Casa, Minha Vida, de 2009 a 2015, o déficit cresceu 5,9%. Isso mostra que não basta construir moradias. É preciso realizar uma verdadeira Reforma Urbana. Para esse fim, cabe considerar um fato dramático: há a estimativa de que existem no país 6,05 milhões de imóveis desocupados, certamente em busca de valorização provocada pela especulação imobiliária. Um mundo de gente sem teto e um mundo de teto sem gente. Assim, uma Reforma Urbana verdadeira deve, além da construção de moradias e da titulação de terrenos nas comunidades, taxar fortemente os imóveis desocupados, como meio de estimular sua ocupação.
Mas a Reforma Urbana também deve contemplar a solução do crônico problema do transporte público. Isso passa pelo adensamento das linhas de metrô (subterrâneo ou de superfície) nos principais centros urbanos. O Prof. Ildo Sauer, da USP, sugere a criação de uma empresa estatal nacional, a Metrobrás, para se responsabilizar por essa tarefa, na medida em que o problema do transporte urbano transformou-se num problema nacional.
A educação, ciência e tecnologia constituem elemento fundamental para o desenvolvimento, não apenas porque são importantes propulsores do desenvolvimento, como também porque possibilitam que este se realize em benefício das amplas massas da população. O ensino superior brasileiro vem sendo cada vez mais mercantilizado: em 2016, 75,3% dos alunos, isto é, 6.058.623, faziam seus cursos em escolas particulares, enquanto tão somente 24,7%, ou seja, 1.990.070, estavam em escolas públicas. Mas 45% dos que estavam em escolas particulares recebiam algum tipo de financiamento, sobretudo de recursos públicos, como o ProUni e o FIES (Correio Braziliense, 31 ago. 2017).
Como sabemos, as escolas particulares, com raras exceções, não operam o tripé do ensino superior – ensino, pesquisa e extensão -, limitando-se a um ensino deficiente. O ensino de excelência, respaldado na pesquisa e na extensão, é realizado nas universidades públicas. Se se quer que a educação cumpra um papel transformador no processo de desenvolvimento, tem-se que garantir que o ensino superior seja prioritariamente público. Assim, os 10% do PIB para a educação que foram aprovados no Congresso Nacional devem se destinar à educação pública, limitando a janela que foi aberta pela lei para financiar o ensino privado.
Mas há uma debilidade estrutural no processo educativo brasileiro: o ensino básico (infantil, fundamental e médio). Ao contrário do ensino superior, 73,5% dos 56,5 milhões (2017) de estudantes do ensino básico estão em escolas públicas, enquanto 26,5% estudam em escolas privadas, sendo que estas últimas oferecem um ensino de melhor qualidade. O resultado é que, com um débil processo de aprendizagem, os estudantes são bloqueados no acesso ao ensino superior: enquanto a taxa de escolarização dos jovens de 15 a 17 anos em 2017 (correspondente ao ensino médio) era de 87,2%, a dos jovens de 18 a 24 anos (correspondente ao ensino superior) era de apenas 32,8% (Agência Brasil, dez. 2017).
Há, portanto, que melhorar substancialmente a qualidade da educação básica pública. Para isso, urge enfrentar três obstáculos. Em primeiro lugar, o piso salarial do professor é muito baixo: R$ 2.455,35 em 2018. Em segundo, cumprindo apenas uma jornada parcial na escola, sem assistência em casa (porque os pais trabalham) para orientá-los nas tarefas escolares, os estudantes do ensino básico contam com um aprendizado deficiente, provocando uma forte evasão. Por último, a descentralização do ensino básico, por ser de responsabilidade de estados e municípios, dificulta a adoção de uma política nacional para possibilitar a melhoria da qualidade. Assim, três medidas se fazem necessárias: 1) no mínimo, equiparar o piso salarial do ensino básico ao piso dos Institutos Tecnológicos: R$ 6.064,50 para titular com graduação, em 2018; 2) implantar a educação integral em tempo integral; 3) adotar a proposta do senador Cristovam Buarque de federalizar a educação básica. Além disso, deve-se universalizar o ensino médio.
O investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) é um fator essencial e ao mesmo tempo uma alavanca para o processo de desenvolvimento. As Nações hoje desenvolvidas (como as da União Europeia, o Japão e os Estados Unidos) ou as que estão experimentando um processo acelerado de desenvolvimento (como a China) se caracterizam por investirem em pesquisa e desenvolvimento (P&D) entre 2,5% e 3% do PIB. Por isso, as seis maiores economias produzem cerca de 85% da ciência e tecnologia do mundo.
Enquanto isso, o Brasil, que estacionou seu investimento em P&D em cerca de 1% do PIB de 2000 a 2012, subiu um pouco para a média de 1,25% no período de 2013/2015(MCTIC, 16 jul. 2018). E, para piorar, o orçamento aprovado para 2018 para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicação foi reduzido em 40%, em termos reais, em relação a 2013, apesar de haver sido incorporada a pasta da Comunicação. Essa situação gera a necessidade de importação de tecnologia, quase sempre de segunda categoria, pela qual pagamos montanhas de royalties e engendrando a dependência tecnológica.
Apesar disso, em função dos investimentos do passado, formamos uma importante comunidade científica e experimentamos importantes avanços em C&T, particularmente nas áreas de produção agrícola, petróleo (pré-sal), etanol, minério, fibra ótica, energias renováveis, aviões, avanços na prevenção e cura de doenças. Essas conquistas se deveram, de um lado, à pesquisa nas universidades públicas e nas empresas estatais (Petrobras, Eletrobrás, Telebrás, Embrapa, Embraer, Vale do Rio Doce) e, de outro, ao imenso potencial de recursos naturais, tais como biodiversidade (cerca de 20% da mundial), recursos hídricos abundantes (12% dos depósitos mundiais), clima altamente diversificado, recursos minerais abundantes e fundamentais para o desenvolvimento. Segundo o MCTIC, o setor público banca a maior parte do investimento em C&T no Brasil (MCTIC, 15 jul. 2018). As empresas estrangeiras aqui instaladas importam tecnologia de segunda categoria, enquanto as nacionais estão sendo sucateadas pela desindustrialização.
Para efetivação do desenvolvimento que garanta a autonomia do País e a melhoria das condições de vida do povo, devemos romper com a dependência tecnológica e utilizar todo nosso potencial de criação de Ciência, Tecnologia e Inovação. Para isso, o Plano de Estado de Ciência e Inovação Tecnológica propugnado pela Academia Brasileira de Ciências deve ser incorporado numa nova estratégia de desenvolvimento. Para concretizá-lo, é importante estabelecer como meta atingir 3% do PIB em investimento em P&D. Os recursos para esse fim provirão, sobretudo, das rendas do petróleo, da mineração, hidráulica e agrícola e de impostos progressivos sobre o lucro extra dos monopólios e sobre a remessa de lucros e a distribuição de dividendos, além de fomentar a integração científica e tecnológica entre as universidades, os institutos de pesquisa, as empresas públicas e as empresas privadas não monopolistas. Além disso, deve-se promover a ação coordenada entre os vários ministérios, as agências governamentais nos distintos níveis da federação e a sociedade civil. Para isso, cabe consolidar o funcionamento e democratizar o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia e fortalecer financeiramente o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).
Um novo Plano de CT&I terá como prioridade áreas fundamentais como saúde, energia, indústria de defesa, segurança pública e setores de tecnologia de ponta como microeletrônica, informática, economia digital, telecomunicações, engenharia genética, biotecnologia, energia nuclear, engenharia aeroespacial, materiais estratégicos, química fina. O Plano de CT&I estará integrado no Plano Nacional de Educação, estimulando a criatividade e a formação de qualidade em todos os níveis, bem como o aprendizado em ciência baseado na pesquisa desde o ensino fundamental. O investimento nas ciências sociais buscará desenvolver uma consciência crítica e associá-las às demais ciências na busca de soluções para os problemas da dependência, do subdesenvolvimento, da desigualdade e da miséria.
A saúde é outro grande drama nacional. Constituiu-se, a partir da Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde com o objetivo de universalizar o atendimento à saúde da população. Mas nenhum governo, até agora, implantou o SUS Constitucional. E, em consequência, a saúde vem deteriorando de forma dramática, inclusive com o retorno de doenças transmissíveis que já haviam desaparecido do território nacional. Segundo os especialistas em saúde pública, para engendrar esse quadro, combina-se o subfinanciamento da saúde com a deterioração da gestão privada por meio das O.S.
Mas saída existe. Revogar a Emenda Constitucional 95 (que congela por 20 anos os gastos primários do governo) e eliminar a DRU sobre o orçamento da Seguridade Social (que transfere 30% dos recursos da Seguridade Social para o pagamento de juros) são condições para viabilizar o financiamento adequado da saúde pública; no processo de reindustrialização do país, garantir o caráter nacional e público do complexo industrial da saúde, que hoje, além de importar a maior parte dos equipamentos e insumos, ainda drena recursos para o pagamento de royalties; reestruturar a atenção primária à saúde, transformando as unidades básicas de saúde e o médico de família no centro de gravidade de todo o sistema de saúde; retomar a gestão pública da saúde pública, acabando com o sistema de gestão privada por meio das O.S., e democratizar e fortalecer os conselhos da saúde, desde o nacional até os de base.
A violência e a insegurança a que está crescentemente submetida a população brasileira constituem outro grande drama nacional. Segundo o Atlas da Violência 2018, organizado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram assassinadas 62.517 pessoas em 2016, sendo 53,7% de jovens. O índice foi de 30,3 homicídios por 100 mil habitantes, 30 vezes mais que na Europa. Nos 10 anos encerrados em 2016, foram 553 mil assassinatos (Cerqueira, Daniel, jun. 2018). Onde está a origem dessa expansão acelerada da violência? A origem primeira está na gigantesca e crescente desigualdade social que impera no país, mas se exacerba porque as facções do crime organizado passaram a substituir o Estado nos presídios, na fronteira e nas comunidades da periferia, processo que vem sendo alimentado pela grave crise que assola o país.
Como as facções assumiram caráter nacional – e às vezes até transnacional -, o combate tem que ter como núcleo central o governo federal. Por isso, deve-se aperfeiçoar e consolidar o Sistema Único de Segurança Pública, sob comando nacional, para enfrentar o crime organizado nos presídios, na fronteira e nas comunidades. Além disso, deve ser realizado um amplo trabalho preventivo, com a efetiva presença do Estado nas comunidades da periferia, proporcionando trabalho, educação e saúde para a juventude, que, sem outras alternativas, tem se transformado em soldados do narcotráfico.
As medidas destinadas a fortalecer o trabalho, além beneficiar as condições de vida dos trabalhadores, acarretam também o fortalecimento do mercado interno. Mas não basta fortalecer o mercado interno. É imprescindível fomentar o desenvolvimento das forças produtivas a fim de que as crescentes necessidades do povo sejam atendidas com mais produção. Para garantir esse aumento da capacidade produtiva para níveis compatíveis com as crescentes necessidades da população, torna-se imprescindível aumentar substancialmente a taxa de investimento (relação entre a formação bruta de capital fixo e o PIB). Por que a China pode ter uma taxa de 45% e a Índia de 32% (dados de 2016), enquanto o Brasil limita-se a insignificantes 15,6% (2017)? (Google, 15 jul.2018).
O conjunto do investimento deve ser alavancado pelo investimento público. Tem sido assim no processo de desenvolvimento nas economias capitalistas e não há porque não ser assim no novo desenvolvimento brasileiro. Para isso, deverá ser fortalecido o caráter estatal da Petrobras e da Eletrobrás, serem revestidas as privatizações do período Temer, além de outras empresas estratégicas, como a Vale do Rio Doce e a Embraer. De onde virão os recursos para aumentar os investimentos? Os recursos existem. O problema é que estão sendo drenados para o exterior, para o parasitismo financeiro, para os monopólios e para os ricos que não pagam imposto.
Os recursos serão, portanto, aportados pela diminuição da taxa básica de juros (Selic) para os patamares internacionais, além da auditoria da dívida – ferindo de morte o parasitismo rentista financeiro dos que se alimentam da dívida pública -, e pela captação pelo Estado da renda do petróleo (para isso, a Petrobras deverá ser a operadora única do pré-sal), da mineração (daí a necessidade de re-estatizar a Vale do Rio Doce) e hidráulica (donde, a necessidade de manter a Eletrobras nas mãos do Estado), e outras formas de renda da terra, com destaque para a agrícola; pela eliminação das desonerações que elevaram a renúncia fiscal de 8,45% para 21,32% da arrecadação; por uma reforma tributária que tribute forte e progressivamente as grandes fortunas, a propriedade fundiária, o superlucro das empresas monopolistas, a remessa de lucros e juros para o exterior, a distribuição de lucros e dividendos, os mais ricos, e volte a taxar as exportações agrícolas, com o fim da Lei Kandir. Favorecerá a captação da renda agrícola pelo Estado a criação da Empresa Brasileira de Comércio Exterior.
Esse aumento do investimento possibilitará, de um lado, a re-industrialização do país, o qual está em rápido processo de desindustrialização. Além do investimento, a re-industrialização deve ser protegida das mais variadas formas, como tarifas, quotas, subsídios, câmbio, e terá prioridade nos financiamentos e encomendas do Estado. Para isso, deve ser feita uma reforma bancária, que fortaleça o papel dos bancos públicos (BNDES, Banco do Brasil e CEF), fazendo-os ter peso majoritário na oferta de crédito. De outro, a ampliação da infraestrutura nacional – energia, telecomunicações, ferrovias, hidrovias, rodovias, portos, aeroportos, saneamento -, preferencialmente por meio do setor público, dado seu caráter de monopólio. O monopólio privado é essencialmente anti-econômico porque, usando de seu poder de mercado na ânsia do super-lucro, empurra seus preços para cima e derruba os preços de seus fornecedores para baixo, além de carecer de estímulo para o avanço tecnológico.
Quanto à agropecuária brasileira, sua principal característica na atualidade é o chamado agronegócio. Trata-se da produção para o mercado mundial (as chamadas commodities) a partir de um sistema que integra o capital financeiro, as transnacionais e os grandes proprietários de terra. A produção agropecuária vem crescendo a uma taxa elevada. O Brasil está hoje entre os líderes mundiais de exportação de vários produtos. Resulta mais do aumento da produtividade, ou seja, do uso intensivo de áreas já ocupadas, do que do aumento da área cultivada. A taxa anual de crescimento da produtividade entre 1975 a 2014 foi de 3,53%, o dobro da média mundial. Esse crescimento é fruto, sobretudo, da incorporação ao processo produtivo de tecnologias resultantes de pesquisas realizadas pela Embrapa. Mas o avanço tecnológico beneficia principalmente às empresas agropecuárias voltadas para o mercado externo, em detrimento do mercado interno, enquanto 15,3 milhões de pessoas estão passando fome. Além disso, os pequenos e médios proprietários rurais estão imprensados, de um lado, pela dependência em relação às transnacionais que fornecem sementes, adubos e fertilizantes, máquinas e implementos agrícolas (boa parte importados) e, de outro, pelas transnacionais que controlam o comércio mundial de produtos agropecuários. Assim, o modelo do agronegócio beneficia apenas aos banqueiros, às transnacionais, às grandes empresas nacionais do agronegócio e aos grandes proprietários de terras.
Por isso, cabe ao Estado captar parte significativa da renda da terra apropriada por esse núcleo hegemônico no agronegócio e, de outro, fortalecer o pequeno produtor rural. Isso significa cobrar, de forma progressiva, imposto de exportação sobre produtos agropecuários e usar de todos os instrumentos de política agrícola, conforme discriminados anteriormente, para incentivar o pequeno produtor de alimentos para as populações urbanas. Além disso, mediante a política de compra governamental, deve-se formar os estoques reguladores de alimentos de origem agrícola de modo a garantir a estabilidade dos preços, usando para isso a Conab, que deve retomar as funções das três empresas que lhe deram origem: financiamento da produção, armazenagem e distribuição de alimentos. E fomentar a produção nacional de insumos, implementos e máquinas agrícolas, além da criação da Empresa Brasileira de Comércio Exterior, a fim de barrar a dependência do pequeno e médio produtor rural em relação às transnacionais. Essa ação será fortalecida pelo restabelecimento do papel histórico da Embrapa na geração de tecnologia, particularmente para a pequena produção de alimentos para o mercado interno, e pela recriação da Embrater para realizar a disseminação de tecnologia.
O novo desenvolvimento supõe o uso racional dos recursos naturais, de forma a respeitar o ambiente natural. O capitalismo dependente brasileiro, ao transferir parte ponderável do valor gerado internamente para o centro do capitalismo mundial, submete-se à exploração predatória não apenas da força de trabalho (por meio da superexploração), mas também dos recursos naturais. Como decorrência, exacerba-se o que Marx chamou de falha metabólica. O capital extrai da natureza recursos naturais para transformar em riqueza e não devolve a ela as condições para sua reprodução, realizando um “intercâmbio desigual”. Num país dependente, essa falha metabólica manifesta-se através da transferência de valor e de matéria para os países centrais, sem a contrapartida correspondente. O resultado é a depredação irracional da Natureza. Para essa situação ser revertida, torna-se necessário brecar o intercâmbio desigual de valor e de matéria e planejar o uso dos recursos naturais no longo prazo, levando em consideração não apenas as necessidades atuais, mas também as das futuras gerações (Souza, 2016). A política de Defesa Nacional parte da concepção de que devemos preparar nossas Forças Armadas e a população para defender o território nacional e nossas riquezas naturais da cobiça internacional. Dispomos de abundância de recursos naturais em todo o território nacional, mas, sobretudo, na Amazônia, muitos dos quais estratégicos, como o nióbio, e na chamada Amazônia Azul, que armazena depósitos incomensuráveis de petróleo no Pré-Sal. É com base nesses recursos naturais que nosso povo, apoiado pelo Estado, deverá implementar o desenvolvimento do país e promover seu bem-estar. Nossas Forças Armadas, respaldadas na população, deverão ser municiadas com os equipamentos e as tropas indispensáveis para dissuadir eventuais tentativas externas de agredir nosso território com vistas a se apropriar de nossos recursos naturais. Para isso, deve-se reimplantar e desenvolver o complexo industrial de defesa a fim de garantir o aparelhamento adequado das Forças Armadas.
Por fim, a retomada da política externa independente é uma condição sine qua non para garantir a autonomia necessária à criação das condições para o processo de transformação das estruturas econômicas, sociais, políticas e culturais do país. No período recente, essa política foi adotada pelo governo Lula, ainda que de forma limitada, ao aproveitar-se dela para fortalecer a transnacionalização de empresas brasileiras. O governo Dilma retrocedeu fortemente nessa política e o de Temer retornou à prática de alinhamento automático com os EUA. A política externa independente significa o respeito à autodeterminação dos povos e a utilização da política externa para fortalecer o desenvolvimento nacional e o dos demais países subdesenvolvidos. Neste caso, as relações Sul-Sul devem ser priorizadas. Para isso, deve ser retomado o processo de integração latino-americana e o fortalecimento das relações com a África, atualmente bastante debilitados. A consolidação dos BRICS mediante a constituição de suas instituições e estrutura é outro importante instrumento para fortalecer as relações Sul-Sul e favorecer as condições para a conquista de autonomia frente ao império estadunidense, ainda que tenha que ser visto com certa cautela o processo de expansionismo chinês.
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Reforma de base…. (Este texto é resultado da palestra sob o título “Política e Economia: dimensões da crise”, proferida pelo autor durante o seminário “Crise política, democracia e rupturas no Brasil contemporâneo”, realizado na FD/UnB, no período de 10-11/04/2018, sob a coordenação do professor Doutor Mamede Said Maia).
REFERÊNCIAS
- Livros
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SOUZA, Nilson. Economia brasileira contemporânea: de Getúlio a Lula.2. ed. São Paulo: Atlas, 2008..
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——. Teoria marxista das crises, padrão de reprodução e “ciclo longo”. In: ALMEIDA FILHO, Niemeyer (org.). Desenvolvimento e dependência: cátedra Ruy Mauro Marini. Brasília: IPEA, 2013.
- Sítios
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