Nacional-desenvolvimentismo

O legado de J. W. Bautista Vidal: consciência e desenvolvimento

O idealizador do Programa Nacional do Álcool, o físico e professor da Universidade de Brasília J. W. Bautista Vidal será sempre lembrado pelos seus melhores dias, aqueles em que se constitui um exemplo poderoso da capacidade de independência material e espiritual da nação brasileira, cujo projeto tende a iluminar de forma radiosa a civilização no século XXI

CAIO PLESSMANN*

Foram muitas as contribuições que J.W. Bautista Vidal, físico e engenheiro baiano, nacionalista e revolucionário, deu para o desenvolvimento industrial brasileiro e para o processo de autonomia nacional. Sua ação ininterrupta, constante e profunda na construção e defesa dos interesses brasileiros o coloca em posição privilegiada tanto como homem prático, como também como pensador da própria prática, o que lhe qualifica de forma muito especial dentro do nosso rol de nacionalistas desenvolvimentistas.

A primeira contribuição de Bautista nesse processo talvez seja na década de 70, quando aproveita os trabalhos do grupo do Tório, em Minas Gerais, que concluiu – a partir do cruzamento de pesquisas originadas a partir das décadas de 30 e 40, na área do açúcar e do álcool, em conjunto com as pesquisas relativas à utilização do Tório como matriz nuclear brasileira – concluiu ser o Brasil a maior potencia energética do planeta.

Concomitantemente, o país e o mundo atravessavam a primeira crise de oferta e de preços no campo do petróleo, que tornaria insustentável a balança comercial de inúmeros países, inclusive e sobretudo os chamados “hegemônicos”.

Bautista ocupa, em 1974, a Secretaria de Tecnologia Industrial do Ministério da Indústria e Comércio do Ministro Severo Gomes, e promove uma forte aceleração evolutiva na sua dinâmica de trabalho, com ampla repercussão na vida nacional, e cria inúmeras instituições em apoio às nossas amplas possibilidades de desenvolvimento.

Ilustrava capítulos dos mais elevados em nossa história espiritual.

Dentre inúmeras ações referentes à geração de tecnologia nacional (com controle nacional) sobre as amplas cadeias produtivas, em ítens essenciais, em ramos estratégicos do desenvolvimento, uma delas recebeu a atenção especial do Presidente Geisel. Era o Programa do Álcool, projetado para substituir a dependência do país em combustíveis líquidos fósseis da indústria automobilística.

Criado prioritariamente sobre o álcool de mandioca, a mais poderosa octanagem de toda a abundante série de álcoois do Brasil (o programa envolvia a compra da produção de 30% de sua demanda junto aos pequenos agricultores sobretudo do Nordeste), e consolidado sobre a tradição da cana-de-açúcar, a segunda maior octanagem da série, o programa teve êxito completo, com impressionante repercussão internacional, devido inclusive ao momento de crise energética por que passavam as potências imperialistas.

A luta contra os monopólios da indústria automobilística no Brasil teve capítulo importante em noite memorável no Ministério da Indústria e Comercio, em 1975, com a presença massiva da imprensa nacional, quando Bautista revela o embuste das montadoras que se recusavam a utilizar a matriz brasileira, e apresenta publicamente os estudos de campo realizados pelo Centro de Tecnologia Industrial da Aeronáutica sobre o desempenho de motores a álcool, cuja dinâmica é bastante superior ao desempenho apresentado pelos motores a gasolina, em todos os aspectos (ao contrário da estrutura dos motores Flex atuais, que condenam pela geometria de combustão o combustível nacional à uma segunda categoria de interesse).

O Brasil chega a produzir 90% de sua frota com motores a álcool, e constitui-se no único país em todo o planeta a obter essa solução. Maior desempenho, menores custos econômicos e ecológicos, maiores vantagens comparativas, geração de empregos, criação de indústrias derivadas, e toda a inteligência e riqueza nacionais geradas acabaram criando a possibilidade de uma nova série de matrizes energético-industriais, produzidas em escala nacional, capaz de sustentarem integralmente nossa matriz energética, e em escala planetária criar um novo paradigma industrial, baseado nos valores da sustentabilidade e renovação permanentes.

A industrialização de óleos e gases de biomassa, ocupando amplos espaços ociosos do território nacional, é capaz de substituir toda a cadeia derivada do petróleo, incluindo a indústria química, a indústria de plásticos e borrachas, envolvendo máquinas e equipamentos de tudo o que envolve o mundo moderno.

A valorização de nossas matrizes energéticas seria capaz de fornecer energia para toda a nação brasileira de forma sustentável e renovável. Principalmente o dendê, o babaçu, o girassol e o pinhão manso, somados aos álcoois de cana e mandioca, tornariam possível competirmos com a totalidade da produção mundial de petróleo, com grandes vantagens comparativas, pois o país poderia produzi-los com relativa facilidade e gerar como decorrência toda uma imensa cadeia de itens industriais derivados, projetando-se sobre o centro da geopolítica mundial do século XXI e equacionando a situação dramática por que atravessa o homem e seu atual projeto civilizatório.

Além disso, o professor Bautista Vidal imaginara que num Estado soberano uma nova moeda poderia e deveria ser criada, não a partir de recursos de manipulação econômica, ciência que atacava constantemente por basear-se em variáveis nem sempre vinculadas à física – como os aspectos de especulação tipicamente financeiros. Mas sim uma operação monetária baseada na riqueza que concretamente contribui para a vida concreta do homem do Brasil.

Denunciou à época das privatizações que a moeda estrangeira, o dólar, não tinha valor algum, pois era baseado tão somente em coação direta de natureza bélica. A ausência de consciência sobre esse fenômeno levaria a civilização brasileira a aderir, como participante secundário, da destruição de si mesma em primeiro lugar, e da destruição do planeta em última instância, processo tutelado pelo chamado colonialismo cultural.

O Brasil deveria portanto criar junto com outros países (posteriormente surgiria os BRICS) uma nova ordem mundial, baseada numa nova filosofia da solidariedade humana simbolizada no trabalho e na energia. Um novo padrão-moeda cujo lastro fosse baseado em riquezas de propriedade do povo e da nação, através do Estado Nacional, definido este tão somente como o próprio executor do Projeto Nacional expresso na Constituição.

Assim é que a força de trabalho em conjunto com fatores de abundância ambiental como a água, o sol e a terra, os metais estratégicos como o nióbio, os minerais, os biomas e as matrizes energéticas fósseis, hídricas e vegetais e a indústria, com destaque para defesa e comunicação, seriam em última instância a própria concretude do valor da nossa moeda, de acordo com os interesses e demandas do povo.

Trabalhou intensamente para divulgar seu legado político em livros, conferências, artigos e entrevistas, do qual tinha convicção impressionante. Surgindo da convergência política entre os senadores Teotônio Vilela, Severo Gomes, Darci Ribeiro, em conjunto com o general Andrada Serpa, Bautista representou um fator de unidade entre a ideologia brasileira do desenvolvimentismo, os militares, e amplos setores da esquerda e da direita nacionalistas.

É atacado permanentemente através de manobras sórdidas, permanentes e sub-reptícias pela imprensa, os entreguistas, os esquerdistas e os imperialistas estrangeiros, e funda em resposta, com Gilberto Vasconcellos e Marcelo Guimarães Melo, a Escola da Biomassa, onde projeta o assentamento desse legado num todo articulado, conquistando inúmeros novos divulgadores e entusiastas combativos.

Bautista adorava os debates com a juventude onde respirava o clima revolucionário. Atuou também constantemente pela via da política institucional durante toda a sua vida. Arena, MDB, depois no PMDB, PMN, PRONA, filia-se ao PDT e tenta o lançamento de seu nome à Presidência da República, a partir dos anos 2000, após a morte de Brizola. Articula com o então ministro José Dirceu audiência com o Presidente Lula, em encontro onde teve a melhor das impressões, influenciando o entusiasmo do então Presidente em torno dos programas chamados de Biodisel, cujos equívocos na implantação, dados pelo caráter antinacional que o transformaram num simulacro de suas possibilidades, foi um duro golpe que teve de absorver.

O professor Bautista Vidal filia-se ao jovem Partido Pátria Livre, de recorte getulista, que tantos amigos abrigava, em meio a uma realidade intensamente adversa, e desse modo leva, agora ao segundo governo Lula, a proposta de criação da Empresa Brasileira de Agroenergia – EBA, única medida para estancar o processo de desnacionalização desse importante setor.

A ascensão da Presidenta Dilma, com quem tantas divergências ele acumulara, seja pela ação como Ministra das Minas e Energia no governo do Rio Grande do Sul, nos anos 90, seja pelo desempenho nesse mesmo Ministério, no âmbito federal, enfraquece e desarticula ainda mais o singular físico brasileiro, que se distancia, pouco a pouco, nos últimos anos, da dinâmica nacional.

O Professor Bautista Vidal será sempre lembrado pelos seus melhores dias, aqueles em que se constitui um exemplo poderoso da capacidade de independência material e espiritual da nação brasileira, cujo projeto tende a iluminar de forma radiosa a civilização no século XXI.

* É cineasta, diretor de “São Paulo Cidade Aberta”

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